As histórias de que é feito o novo jazz português em livro
Esta sexta-feira e domingo, Nuno Catarino e Márcia Lessa apresentam em Coimbra e Porto o livro Improvisando, compilação de entrevistas que retrata o jazz português sub-40.
Na primeira das entrevistas incluídas em Improvisando, Ricardo Toscano revela quase à queima-roupa que a banda sonora da sua infância se fez de álbuns como Kind of Blue, de Miles Davis, e Blue Train, de John Coltrane. Também para Nuno Catarino, crítico de jazz do PÚBLICO e autor das entrevistas do livro, Blue Train foi a porta de entrada para um universo musical que havia de revelar-se-lhe inesgotável. Só que, no seu caso, essa epifania deu-se bastante mais tarde. Foi já nos tempos da faculdade que uma colecção do Planeta deAgostini colocou no seu caminho, a um preço irrecusável, Blue Train e um disco de baladas de Miles Davis. “Comecei a ouvir, fiquei viciado naquilo e a partir daí comecei a procurar mais, a tentar escutar todos os discos de jazz que conseguia”, recorda ao PÚBLICO.
Estávamos no início da década de 2000 e dois fenómenos empurraram Catarino para um percurso que desagua em Improvisando: o aparecimento do Napster, site dedicado à livre partilha de discos, que lhe permitiu alimentar a voracidade da escuta de uma extensa e ampla discografia de jazz; e o surgimento dos blogues, um salvo-conduto para que qualquer pessoa pudesse partilhar com o mundo todo o tipo de inquietações e pensamentos acerca dos mais variados temas. Nuno Catarino aderiu a esse movimento e criou um espaço baptizado A Forma do Jazz — inspirado pelo álbum de Ornette Coleman The Shape of Jazz to Come. “Na altura nem era para ser um blogue sobre jazz, era apenas um blogue”, lembra. “Só que comecei a escrever sobre jazz de forma regular, percebi que as pessoas tinham interesse nisso e resolvi aprofundar esse caminho.” E não tardou a que a sua escrita migrasse para outras plataformas — a convite do site Bodyspace, das revistas Mondo Bizarre e Jazz.pt, e do PÚBLICO.
Foi ao serviço da Jazz.pt (hoje com existência exclusivamente na internet) que, em 2006, se cruzou com a fotógrafa Márcia Lessa, por ocasião de uma entrevista ao histórico contrabaixista Charlie Haden no festival Guimarães Jazz. Nos anos seguintes foram continuando a trabalhar juntos até que, em 2015, começaram (também para a Jazz.pt) uma série de entrevistas de fundo com músicos de jazz portugueses. A primeira de todas foi, precisamente, com o saxofonista Ricardo Toscano. Seguiram-se João Hasselberg, Rita Maria e André Santos, todos com concertos ou discos que justificavam um close up naquele momento. “À terceira ou quarta entrevista”, explica Catarino, “percebemos que havia uma série de características comuns às pessoas com que estávamos a falar e que fazia sentido continuarmos a aprofundar.” Essas características revelavam-se num grupo de “jovens músicos que trabalham o jazz com diversas estéticas dentro do jazz e da música improvisada, mas que têm uma grande formação, têm apresentado trabalho em nome próprio, mostrado criatividade e afirmando-se pela diferença”.
A partir dessa constatação, Nuno Catarino e Márcia Lessa foram então marcando encontros com músicos que correspondessem a esse mesmo perfil — até um total de 14, entre os quais Gabriel Ferrandini, Susana Santos Silva, Desidério Lázaro ou Sara Serpa. Sem necessidade de adoptar critérios muito rígidos, o conjunto de entrevistas que surge agora sob a forma de livro em Improvisando — com sessões de lançamento agendadas para Coimbra (esta sexta-feira, Salão Brazil) e Porto (domingo, Livraria Flâneur) — e traça um retrato geracional de músicos sub-40 e que surgiram na esteira das bases do jazz português lançadas por Mário Laginha, Bernardo Sassetti, Carlos Barretto ou Mário Delgado, músicos que Catarino resgata para as últimas páginas do livro através de uma discografia seleccionada que possa colocar aqueles 14 como parte de uma História que não nasceu com eles.
Para chegar a este conjunto de músicos, a selecção teve em consideração não apenas a diversidade estética e os diferentes instrumentos, mas também a riqueza geográfica, evitando uma leitura que pudesse sobrevalorizar a cena musical de qualquer ponto do país. No que toca às fotografias, Márcia Lessa quis captar os entrevistados sem reforçar dois clichés: o dos clubes de jazz fumarentos, registados a preto-e-branco, e o dos músicos retratados como se não soubessem desligar-se do instrumento. Para que, ao retratar-se toda uma nova geração do jazz português, não se acabasse a olhar para aquilo que, à partida, já se sabia.