É tão fácil viver de impostos…

Debaixo da capa das aparências, persiste um Estado pesado, rotineiro e pasmado que aos poucos se vai afastando da realidade de um país cada vez mais “aberto, cosmopolita e inovador”, como o primeiro-ministro o caracterizou.

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Mário Centeno daniel rocha

Por muitas voltas que se dê ao texto do Orçamento, está provado que em 2020 o conjunto da sociedade portuguesa vai pagar mais impostos. Como base de discussão, o princípio está errado: não faz sentido que os cidadãos e as empresas continuem a drenar tão vasta quantidade de recursos para o Estado. Num quadro macroeconómico favorável como o actual, com as contas públicas controladas, seria desejável que o Governo se esforçasse por acentuar a aposta nos serviços públicos, aumentasse o volume de investimento e ao mesmo tempo concedesse aos cidadãos e às empresas mais folga na gestão do seu dinheiro.

Dizer que em sede do IRS há neutralidade em relação ao Orçamento anterior, que há alguns benefícios para grupos sociais concretos, caso dos jovens, ou que o IRC é reduzido para as empresas que vão reinvestir os seus lucros é neste contexto uma forma de iludir o essencial: o Estado continua impávido e sereno a absorver uma parte substancial da riqueza do país.

O Governo pode viver tranquilamente este modo de vida porque, no final do dia, consegue apresentar resultados convincentes – teremos em 2020 um excedente pela primeira vez na história da democracia. O racional do Governo serve-se também da ilusão que o aumento de impostos só acontece para travar consumos irresponsáveis (bebidas açucaradas), carros mais poluentes, plásticos, ou, numa evidente cedência ao politicamente correcto, as touradas.

Mesmo que o IRS e o IRC se salvem desta tentação, o que é inequívoco é que este Orçamento insiste numa leitura anacrónica que ajuda a perceber os limites do modelo de crescimento português: o Estado é uma entidade sacrossanta à qual tudo e todos devem sacrifício.

O Governo dedica-se então a fazer o mais fácil sem cuidar de gerir com outro critério e exigência os recursos que lhe são fornecidos pelo crescimento da economia ou a redução do desemprego. Conceitos como gestão, exigência, reformas, avaliação, delegação de serviços públicos na administração de privados ou a fixação de objectivos mensuráveis por departamento ficam assim ausentes da ambição do Governo. Havendo impostos, taxas ou taxinhas para cobrar, garante-se uma navegação tranquila, evitam-se sobressaltos e vive-se um dia de cada vez.

É um luxo poder-se viver assim. Mas tenhamos uma certeza: debaixo da capa das aparências, persiste um Estado pesado, rotineiro e pasmado que aos poucos se vai afastando da realidade de um país cada vez mais “aberto, cosmopolita e inovador”, como o primeiro-ministro o caracterizou. Quando e se a conjuntura mudar, lá teremos de correr atrás do prejuízo. Descobriremos então de novo que num mundo em acelerado ritmo de mudança, também o Estado tem de mudar.

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