Deputados únicos com mais direitos para falar, mas PS, PSD e PCP não os aceitam na conferência de líderes
André Ventura não foi à votação do regimento em protesto. Partidos insistem na necessidade de marcar diferença entre deputado único e grupo parlamentar. Representam “vários milhares” de eleitores, mas os grupos representam milhões, alega o PS.
É preciso abrir o Parlamento e adaptá-lo à nova realidade de uma panóplia de novos partidos com apenas um deputado, mas não se lhes pode dar os mesmos direitos que são conferidos aos grupos parlamentares. Esta foi a principal argumentação do PS, PSD, PCP e BE para recusarem a proposta para que os deputados únicos representantes de partido (DURP) pudessem participar na conferência de líderes de pleno direito. E os três primeiros partidos até chumbaram, depois, a alteração proposta pelo Bloco para que estes deputados tivessem o estatuto de observador, como aconteceu com André Silva na passada legislatura.
As mudanças no regimento sobre os direitos dos DURP foram aprovadas sem votos contra mas com a abstenção do CDS, PAN, IL e Livre.
Assim, os deputados únicos representantes de partidos só poderão ir à conferência de líderes quando forem convocados pelo presidente da Assembleia da República por causa de agendamentos, por exemplo. Mas ganharam direitos de intervenção no plenário e de marcação de debates. Poderão, por exemplo, fazer cinco declarações políticas por sessão legislativa (agora são duas) e questionar os outros partidos em duas declarações.
As alterações ao regimento sobre direitos dos DURP foram aprovadas em grupo de trabalho na terça-feira, mas voltaram a ser discutidas e votadas nesta quarta-feira de manhã na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O Chega não esteve presente na reunião e preferiu agendar declarações aos jornalistas para a mesma hora em que os outros deputados estavam a fazer a votação. João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, apontou a “lacuna” sobre a conferência de líderes e quis a votação autónoma sobre essa regra. “Ou é uma resistência quase patológica à mudança, ou pretendem impedir os DURP de participarem” num órgão importante da Assembleia da República (AR). “Este tratamento não é digno nem compatível com a importância do mandato.”
Joacine Katar Moreira (Livre) criticou a existência de uma “retórica de abertura” por parte dos partidos mais antigos “que efectivamente não coincide com o resultado”, e a “resistência enorme a alterações” das formas de funcionar. “Se não tivessem existido alterações legislativas dos DURP, nenhum dos outros partidos acharia útil ou necessária uma alteração regimental”, disse. “Numa instituição em que cada deputado está em representação de milhares de eleitores, não se dar acesso a algo significa não estarmos a elevar o espírito democrático, nem a dar a hipóteses aos deputados únicos de exercerem [o mandato] e de representarem milhares de cidadãos.”
Os argumentos do PS, PSD e PCP
PSD, PS e PCP rejeitaram esta argumentação. O social-democrata Pedro Rodrigues vincou que o regimento “foi profundamente alterado na concessão de direitos e “aprofundamento da capacidade de intervenção” dos DURP. E rejeitou “desvirtuar conceitos”: a AR funciona com DURP, deputados eleitos e deputados não inscritos e “não se devem equiparar” entre si. “Não houve resistência à mudança; muitíssimo pelo contrário. Houve adequação à realidade, mantendo-se a integridade de conceitos, sem equiparações e distinguindo os tempos de debate e a capacidade de intervenção” de todos.
O comunista António Filipe vincou que se estão a “consagrar direitos sem precedentes” para os DURP, que se tornam “incomparavelmente superiores” aos actuais e mesmo aos do PAN nos últimos quatro anos e passam a ser, “de muito longe, os deputados com mais [poder de] intervenção nesta AR”. “Não queremos que se crie a ideia de que, por terem sido eleitos três deputados de cada partido, que há uma nova república, uma IV República”, ironizou o deputado comunista.
O deputado recusou qualquer equiparação de DURP e grupos parlamentares como a IL, Livre e Chega pretendem. Vincou que os DURP “têm a legitimidade que decorre das eleições por milhares de eleitos, mas não podem pôr em causa a legitimidade de outros deputados que tiveram muitos mais votos”. E lembrou que, por exemplo, só integram a mesa da AR os quatro partidos mais votados. António Filipe quis até que se votasse em separado o artigo que confere aos DURP a possibilidade de questionarem dois partidos em cada sessão de declarações políticas e ficou sozinho a votar contra essa regra.
O centrista Telmo Correia, que tem estado sempre do lado dos DURP nos pedidos de direitos de intervenção, disparou contra o PCP, lembrando a situação “caricata” do PEV – com quem os comunistas vão sempre a votos na coligação CDU –, que “nunca foi a votos por modo próprio, sozinho, nem para uma junta de freguesia, e é um grupo parlamentar com todos os direitos”. “Os novos partidos foram a votos sozinhos, foram eleitos, mas são barrados à porta da conferência de líderes... É uma vergonha.”
O bloquista José Manuel Pureza insistiu, sem sucesso, na proposta “sensata e equilibrada de dar expressão à existência e importância” dos DURP, conferindo-lhes o estatuto de observadores na conferência de líderes, justificando também com o “precedente de facto” dado ao PAN. E a deputada deste partido Inês Sousa Real defendeu a necessidade de ser o regimento a “ir ao encontro da nova realidade parlamentar com esta multiplicidade de forças políticas e não ao contrário”. Há quatro anos, lembrou, “era só o PAN” e por isso não havia força suficiente para mudar.
O socialista Pedro Delgado Alves, que compilou as seis propostas de alteração, recusou que se esteja a fazer qualquer “refundação da República” e defendeu a necessidade de “não se perderem de vista as diferenças”. Lembrou também a participação reduzida dos grupos parlamentares na mesa e outros órgãos em que não são permitidos os DURP, como a gestão do Canal Parlamento ou o conselho de administração da AR. “Se os três partidos representam vários milhares de eleitores, os outros representam vários milhões”, apontou. Salientou até que “a atribuição de mais tempo aos DURP faz-se à custa dos que tiveram 1,4 milhões ou 500 mil votos”. E não terminou sem uma ajuda ao PCP, lembrando que o PEV vai a votos, integra uma coligação e tem os direitos que lhe pertencem.
Ventura ausente em “protesto”
André Ventura, do Chega, não esteve presente nesta reunião da comissão como forma de protesto contra o que diz ser uma “fantochada antidemocrática que só tem um objectivo, humilhar estes partidos”. O deputado lamenta em particular o voto a favor do PSD, dizendo que se sente “magoado” com a posição do partido em que militou.
“O que aqui se passou desde o início podia passar para o estrangeiro como um manual sobre como não agir bem democraticamente. É uma trapalhada”, afirmou aos jornalistas, assumindo que não vai participar em qualquer votação sobre este assunto. André Ventura insurgiu-se contra o número de declarações políticas que vão ser permitidas aos deputados únicos (cinco por sessão legislativa quando a sua proposta era que fossem semanais), rematando: “Isto não é uma vergonha, é um escândalo.”
André Ventura vai procurar o apoio de 23 deputados (o mínimo exigido por lei) para poder pedir a fiscalização ao Tribunal Constitucional das alterações ao regimento que forem aprovadas, confirmou o PÚBLICO junto do deputado. Esse número mínimo de subscrição de um requerimento ao TC será difícil de obter tendo em conta que PSD, PS e PCP votaram a favor das alterações.