A Austrália pode arder ainda mais com vaga de calor recorde
Já arderam três milhões de hectares de florestas este ano, mas até ao fim de semana as temperaturas vão estar tão altas que criam “um risco catastrófico de incêndio”.
Está tanto calor que até as aves evitam lançar-se nos céus do sul da Austrália, buscando antes sombras em terra. Várias cidades da região passaram a barreira dos 47 graus, ou chegaram lá perto, nesta quarta-feira, depois de na terça-feira a temperatura média do país ter chegado ao valor mais alto desde que há registo: 40,9 graus.
A região está a passar por uma vaga de calor de força inédita que vai continuar pelo menos até ao fim-de-semana, alastrando à Austrália Central. Às temperaturas extremas juntam-se ventos fortes vindos do Norte, o que resulta “num risco extremo e catastrófico de incêndio”, diz um alerta dos serviços de meteorologia australianos. O recorde anterior era de 2013, e de 40,3 graus.
Os vastos incêndios florestais já dizimaram três milhões de hectares e destruíram já 700 casas na costa oriental da Austrália, e seis pessoas morreram diz o Le Monde. Florestas classificadas como património da humanidade foram consumidas pelas chamas no estado de Nova Gales do Sul e espécies nativas da Austrália, como os coalas, foram colocadas em risco. A capital deste estado, Sydney, ficou a sufocar com uma carapaça de fumo. Em algumas zonas da cidade, o índice de partículas no ar atingiu 400, quando uma leitura de 100 permite já considerar o ar de má qualidade, diz o New York Times.
Esta quarta-feira, foi também emitido um alerta para os habitantes das zonas costeiras relativamente a “uma nova ameaça”, ventos acima de 100 km/hora, em zonas onde os incêndios já dificilmente são controlados pelos bombeiros.
As temperaturas estão a ser tão extremas que Stu Pengelly, um habitante da cidade de Perth, assou um lombo de porco dentro de um velho carro Datsun, o que fez imediato sucesso nas redes sociais. O objectivo dele era nobre. Pretendia alertar para o perigo de deixar crianças e animais dentro de carros fechados.
A Austrália está a ser atingida por dois fenómenos climáticos que estão a afectar as suas costas sul e ocidental. O primeiro é um dipolo do oceano Índico, na sua fase positiva, o que significa que as águas do mar estão mais quentes que o normal à superfície na zona ocidental deste oceano, e mais quentes na zona oriental. A diferença provoca chuvas e inundações em África e secas no Sudeste Asiático e na Austrália. É um fenómeno semelhante ao El Niño, que se verifica no oceano Pacífico.
O segundo fenómeno é uma oscilação Antárctica em modo negativo, uma variabilidade atmosférica também conhecida como Modo Anular do Sul que provoca ventos que transportam águas circumpolares quentes ao longo da plataforma da Antárctida, que ajudam ao derretimento da base das plataformas de gelo.
Estes fenómenos são exacerbados pelo aquecimento global e coincidiram este ano para afectar a Austrália, um país que tem muitas fragilidades em termos ambientais. O Governo australiano, no entanto, tem sido um dos mais renitentes em adoptar políticas de protecção climática, apostando na continuidade da exploração das suas vastas reservas de carvão, apesar de grandes protestos contra a passividade do executivo face aos riscos colocados pelas alterações do clima.
Soube-se esta quarta-feira que o primeiro-ministro conservador Scott Morrison foi passar férias ao Hawai, apesar de ter sido elevado o nível de alerta de emergência, por causa dos incêndios e da onde de calor, o que gerou uma onda de indignação nos media e nas redes sociais. Isto acontece depois de a Austrália ter sido apontada como um dos países responsáveis pelo falhanço da cimeira do clima das Nações Unidas em Madrid (COP25) no fim-de-semana passado, que não conseguiu produzir uma declaração final com a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que se refere, sobretudo, aos mercados de carbono.