Nestes túmulos com mais de 3500 anos descobertos na Grécia, são as jóias que falam da agricultura

Ruína das estruturas ainda na antiguidade impediu que fossem saqueadas. Artefactos documentam a vida das comunidades a que pertenciam os que ali foram sepultados e podem ensinar-nos muito sobre a vida no Peloponeso antes do período clássico.

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O anel em ouro que associa a domesticação de animais à prática agrícola Cortesia: UC Classics
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Um dos túmulos agora divulgados, cujas paredes estiveram, em parte, cobertas de folha de ouro Cortesia: UC Classics
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Vista aérea do local, mostrando os dois túmulos postos a descoberto pela equipa de Davis e Stocker à direita e, à esquerda, o descoberto por Carl Blegen em 1939 Cortesia: UC Classics
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O túmulo descoberto por Carl Blegen em 1939 está já reconstituído Cortesia: UC Classics
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Sharon Stocker no túmulo do Guerreiro Grifo, em 2015 Cortesia: UC Classics

Arqueólogos da Universidade de Cincinnati (UC), nos Estados Unidos, descobriram perto de Pilo, no Peloponeso, dois túmulos da Idade do Bronze cujas jóias e outros artefactos poderão vir a trazer importantes informações sobre a vida na Grécia antiga, num período anterior ao dos belíssimos monumentos e esculturas a que habitualmente a associamos.

A descoberta, anunciada na terça-feira, deveu-se ao trabalho de uma equipa liderada por Jack Davis e Sharon Stocker, arqueólogos do departamento de Clássicas desta universidade do Ohio, que acreditam que os dois túmulos em forma de colmeia conservaram o seu conteúdo porque ruíram ainda na antiguidade, o que tornou o acesso difícil e impediu o saque.

Foram localizados perto de um outro túmulo identificado e escavado em 2015, pertencente a um um líder militar e eventualmente político a que os arqueólogos chamaram “Griffin Warrior” (Guerreiro Grifo, em tradução livre), nome que se deve a uma placa de marfim encontrada nas imediações em que está representado este animal fantástico com corpo de leão e cabeça e asas de águia.

Nos túmulos agora identificados, que teriam uma estrutura circular coberta que lembra uma colmeia — um túmulo semelhante descoberto pelo primeiro arqueólogo americano a escavar naquele local na década de 1930 está já reconstituído —, foram encontradas centenas de artefactos, incluindo um pendente com uma deusa egípcia e um anel com dois touros ladeados por espigas de cevada, ambos em ouro. Este último contém uma das mais antigas representações, se não a mais antiga, de animais domésticos combinados com a actividade agrícola.

Segundo a equipa de investigação norte-americana que passou ano e meio a fazer o levantamento deste sítio arqueológico, o espólio recuperado, actualmente em fase de estudo e de restauro, deverá trazer informação relevante sobre a vida quotidiana na Grécia de há mais de 3500 anos.

O anel, por exemplo, mostra “uma interessante cena de criação de animais”, diz Jack Davis, um dos directores do projecto de investigação, num texto publicado no site da Universidade de Cincinnati em que se dá conta da descoberta destes dois túmulos familiares voltados para o Mediterrâneo, de onde foram recuperadas centenas de pedaços de folha de ouro que terão feito parte do revestimento das paredes. “É a criação da agricultura […]. Tanto quanto sabemos, é a única representação de grãos [neste caso de cevada] na arte da civilização minóica [que se desenvolveu na ilha de Creta entre 3000 e 1500 a.C.].”

Foi preciso apenas uma semana de escavações para que a equipa da Universidade de Cincinnati se apercebesse de que tinha em mãos algo muito importante, como acontecera já no caso do Guerreiro Grifo, acrescenta Sharon Stocker, a arqueóloga que coordenou os trabalhos de campo.

São vários, aliás, os paralelos que se podem estabelecer com o túmulo identificado em 2015, que terá pertencido a um líder militar sepultado envergando uma armadura e rodeado de armas e jóias. Em ambos foram encontrados, por exemplo, selos em ágata (um tipo de quartzo) primorosamente esculpidos, embora o mais recente, representando duas criaturas mitológicas parecidas com leões, esteja longe de poder competir com o descoberto há quatro anos, a que a revista Archaeology chamou “obra-prima da Idade do Bronze”. Nele se mostra um combate até à morte entre dois guerreiros, estando um terceiro já no chão, aparentemente inanimado, junto a uma espada.

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O selo em ágata com menos de quatro centímetros com a representação de um combate até à morte Cortesia: UC Classics

O rigor da representação desta cena de batalha num “carimbo” que não chega a ter quatro centímetros — estes selos destinavam-se a reproduzir a mesma imagem em cera ou argila — impressionou os investigadores, convertendo-o num dos mais relevantes de entre os três mil objectos que a equipa, também liderada por Davis e Stocker, recuperou em 2015. Davis fez notar, na altura, que o detalhe da musculatura das figuras representadas era raríssimo para a época, tornando-se comum posteriormente, no período clássico da arte grega.

Uma estrela de 16 pontas

Nos dois túmulos cuja descoberta foi agora divulgada encontraram-se ainda duas estrelas de 16 pontas — uma no selo em ágata com as duas criaturas mitológicas e a outra num artefacto em bronze e ouro — que estão a intrigar os investigadores, que nesta necrópole identificaram artefactos com influência minóica, micénica e até egípcia. “É raro. Não há muitas estrelas de 16 pontas na iconografia micénica [relativa aos aqueus, povo que se fixou na Grécia entre cerca de 1600 e 1000 a.C.]. O facto de termos duas em materiais diferentes é digno de nota. O problema é que não temos nada escrito do tempo das civilizações minóica ou micénica que nos fale da sua religião ou que nos explique a importância dos seus símbolos”, diz a directora das escavações no já referido artigo da UC.

O que se sabe para já é que os três túmulos, situados numa área onde mais tarde viria a ser erguido o Palácio de Nestor, importante centro da época micénica ligado a um governante mencionado na Ilíada e na Odisseia de Homero, são um reflexo da sofisticação e da riqueza em que viviam os que neles foram sepultados com os seus objectos em ouro, âmbar, ametista e cornalina, materiais que reflectem a importância da antiga cidade costeira no comércio do Mediterrâneo.

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O outro selo com os animais mitológicos encimados por uma estrela de 16 pontas Cortesia: UC Classics

“[Aqui] temos uma explosão de riqueza. As pessoas competem pelo poder”, acrescenta Sharon Stocker, e isto nos “anos que darão origem à era clássica da Grécia”.

Foi em 1939 que arqueólogos desta universidade do Ohio, liderados por Carl Blegen, escavaram pela primeira vez nesta região grega, pondo a descoberto o Palácio de Nestor, hoje visitado por milhares de pessoas todos os anos. Blegen fazia tenções de dar continuidade aos trabalhos precisamente no local onde a equipa de Stocker e Davis encontrou os três túmulos, mas a Segunda Guerra Mundial e os então proprietários do terreno tornaram impossível a tarefa. Foram precisos mais de 60 anos para que os investigadores da UC desenvolvessem o projecto do arqueólogo americano que também escavou na antiga Tróia, actual Turquia.

“Há 50 anos que não se descobriam túmulos tão substanciais como estes [três] num complexo palaciano da Idade do Bronze”, garante Davis. “Isso faz com que tudo isto seja extraordinário.”

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