Número de desempregados com deficiência aumentou 41% numa década
Observatório da Deficiência e Direitos Humanos apresenta relatório que traça fotografia entre 2009 e 2018. Um retrato “agridoce” com evoluções e progressos inexistentes. Número de estudantes no ensino obrigatório aumentou 92% e no ensino superior 40%. Faltam recursos e fiscalização. Queixas aumentaram quase 2000%.
O número de desempregados com deficiência registados aumentou 41% quando, entre a população em geral, o desemprego desceu 38%. Há mais 40% de estudantes universitários com deficiência, mas os serviços de apoio quase sem alteração. Subiu 92% o número de alunos com deficiência a frequentar o ensino obrigatório, mas reforçou-se em apenas 8% os técnicos para apoiar os estudantes. Houve duplicação dos beneficiários de medidas de reabilitação profissional, mas afectou-se menos 50% de despesa a estas medidas.
Dez anos depois da ratificação por Portugal da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) este é o “quadro” com vários “mas” revelado num relatório do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCPS) Pessoas com Deficiência em Portugal - Indicadores de Direitos Humanos 2019, apresentado esta sexta-feira.
Também houve quase nenhum impacto das medidas de adaptação de postos de trabalho e eliminação de barreiras arquitectónicas, com apenas dez pessoas por ano abrangidas. Finalmente: aumentaram quase 2000% das queixas por discriminação com base na deficiência, de 41 para 835.
Se por um lado houve progressos, por outro há domínios onde foram “mesmo inexistentes”. O relatório aborda diferenças que ocorreram sobretudo entre 2009 e 2018.
Neste período, os dados mostram que falharam alguns aspectos como “a afectação de recursos adequados, formação dos actores que vão intervir e fiscalização das medidas”, comenta ao PÚBLICO Paula Campos Pinto, professora no ISCSP e coordenadora do observatório. “A mudança a que a convenção obriga vai para além da acção governativa”, acrescentou. E por isso é um retrato “agridoce”, reconhece. “Enquanto aquelas falhas não forem corrigidas “as promessas da nova legislação não são cumpridas”, ou seja, “ficamos com o sentimento de que poderíamos ter ido mais longe”, refere. “Vamos acreditar que daqui para a frente o repto que fica é efectivamente consolidar as suas medidas e garantir a sua sustentabilidade”.
Quota de apenas 2,58% no público e 0,52% no privado
Apesar do aumento do desemprego de 8622 para 12135 pessoas, no relatório sublinha-se a subida de 142% do número de colocações de pessoas com deficiência desempregadas inscritas no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Em dados concretos, passaram de 646 em 2009 para 1564 em 2018. Outro dado importante é que o desemprego de longa duração entre esta população cresceu, tendência que só entre 2017-2018 se começou a inverter.
Faz um ano que foi publicada a lei que aumenta as quotas no trabalho para as pessoas com deficiência no sector privado e obriga as empresas que têm entre 75 a 250 trabalhadores a contratarem um a dois por cento de pessoas com deficiência, definindo coimas para quem não cumprir estas quotas: mas os dados ainda não a reflectem.
No sector público, entre 2012 e 2018, o número de trabalhadores com deficiência cresceu 43%. Porém, esta subida não foi suficiente para atingir a quota de 5% estipulada em 2001 para o sector, sublinha o relatório: fica-se nos 2,58%.
A realidade do sector privado também se alterou positivamente, com o crescimento de quase 50% de trabalhadores com deficiência nas empresas com mais de dez profissionais entre 2012 e 2017 (de 7874 passaram para 11657), só que também aqui a quota é baixa: representam apenas 0,52% dos seus recursos humanos. O relatório sublinha que neste caso se tratam sobretudo de trabalhadores com um grau moderado de incapacidade que em 2017 constituíam 71,48% das pessoas com deficiência no sector privado.
Alunos passam de 45 mil para 87 mil
Especificando em relação ao ensino obrigatório, onde os dados comparativos são dos anos lectivos de 2010/11 e de 2017/18, subiram dos mais de 45 mil alunos para pouco mais de 87 mil, ou seja, 92%. O aumento é particularmente acentuado, com 480%, no ensino secundário, “o que se deverá em boa parte ao alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos”, explica o relatório. Por outro lado, o número de crianças com deficiência a frequentar o pré-escolar desceu 19%.
Aqui, a desproporção entre o aumento de alunos (92%) e o reforço de técnicos (8%) pode deixar “a qualidade da educação inclusiva comprometida”.
Já no ensino superior, a diferença de 40% entre os anos lectivos de 2011/12 e 2018/19 refere-se, em números, à subida de 1184 para 1978 de estudantes. Em relação aos anos de 2017/18 e 2018/2019 os dados da Direcção-Geral do Ensino Superior mostram que foram colocados 248 alunos pelo contingente especial para estudantes com deficiência, ou “quotas”, isto é, mais 37% do que no ano anterior.
Nas queixas de discriminação em 2009 a maioria era relativa a seguros e banca (com 29), mas em 2018 a acessibilidade, com 432, foi o grande motivo – aliás, as queixas por causa da acessibilidade centuplicaram entre 2009 e 2018. No ano anterior, tinha sido a saúde o grande motor com 413 queixas. “Este aumento abrupto do número de queixas por práticas discriminatórias pode ser interpretado como um reflexo de uma maior consciência por parte das pessoas com deficiência e da sua rede envolvente em relação aos seus direitos e em relação aos mecanismos legais a que podem recorrer para fazer valer esses direitos”, refere o relatório.
Já em relação ao abono de família para crianças e jovens com deficiência a tendência é de crescimento desde 2009, com uma subida de 36% entre 2009 e 2018, dados que seguem tendência inversa ao abono de família em geral, que desceu 34% em igual período.