Governo assume suborçamentação do SNS e anuncia reforço de 800 milhões

Plano para melhor resposta do Serviço Nacional de Saúde passa pela contratação de recursos humanos, maior autonomia e uma injecção financeira de 550 milhões para pagar dívidas em atraso.

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Mariana Vieira da Silva e Marta Temido LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O Governo vai injectar mais 800 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e prevê contratar mais 8400 profissionais entre 2020 e 2021. Ainda este ano, serão disponibilizados mais 550 milhões para que os hospitais possam pagar dívidas em atraso aos fornecedores. As medidas foram anunciadas esta quarta-feira pelas ministras Mariana Vieira da Silva e Marta Temido, depois do Plano de Melhoria de Resposta do Serviço Nacional de Saúde ter sido aprovado em Conselho de Ministros.

O valor, que vai integrar o Orçamento do Estado para 2020, tem por objectivo reforçar a capacidade de resposta do SNS: mais consultas, mais cirurgias, mais investimento. “A primeira utilização é o aumento da capacidade de actividade assistencial. Consultas, cirurgias, aconselhamento da saúde, cuidados de saúde primários”, explicou a Ministra da Saúde. Marta Temido assumiu que para isso também são precisos mais meios e, por isso, este valor também será para a “melhoria de equipamentos” e “melhoria de desempenho de meios humanos”.

O pacote de medidas, que deverá ajudar o SNS a ultrapassar as muitas dificuldades denunciadas no último ano pelos profissionais de saúde e administradores hospitalares, passa pela atribuição de incentivos nos cuidados de saúde primários, assim como nos hospitais. O plano prevê para o primeiro quatro milhões de euros e para a área hospitalar 100 milhões de euros. A aposta, que também fazia parte do programa da legislatura anterior, passa pelos centros de responsabilidade integrada. São serviços dentro dos hospitais que contratualizam com a administração uma quantidade de consultas, cirurgias e outros actos médicos e recebem de acordo com essa produção.

Esta é uma das medidas que Marta Temido espera que possa ajudar a cativar médicos para o SNS. A falta destes profissionais nos quadros tem criado dificuldades na gestão de várias urgências pelo país. A ministra da Saúde garantiu que se vão manter os incentivos médicos, mas não esclareceu se existirão melhorias que ajudem a preencher as vagas que ficam sistematicamente vazias em vários hospitais. Mas a falta de profissionais tem sido igualmente apontada por outros grupos — caso dos enfermeiros, técnicos de diagnóstico e assistentes operacionais.

O plano agora anunciado prevê que nos próximos dois anos sejam contratados mais 8400 profissionais. “Estes contratos abrangem todos os grupos profissionais. Estamos a afinar este número com as instituições”, disse Marta Temido, referindo que não é possível dizer qual o impacto financeiro desta medida já que depende do grupo profissional em causa – um assistente operacional não ganha o mesmo que um médico ou enfermeiro, por exemplo.

Depende também a capacidade de atracção. “Estamos a fazer um esforço para a retenção de todos os recém-especialistas no SNS. Seria muito importante para os utentes que os 473 novos médicos de família que esperamos que concluam a sua formação em 2020 ficassem no SNS, mas podem nem todos ficar. Os números variam em função dessa realidade”, justificou.

A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, salientou que a média de 4200 profissionais a contratar por ano representa um crescimento “de 14% do ritmo anual da contratação da legislatura anterior”. A ministra da Saúde aproveitou para salientar que este é um “reforço responde à preocupação da gestão e dos profissionais do SNS”.

Quanto à exclusividade dos profissionais de saúde, essa é uma matéria que fica para a discussão do Orçamento de Estado de 2020, que será apresentado na próxima segunda-feira.

Marta Temido destacou a “autonomia de contratação de profissionais” que o plano de melhoria de resposta do SNS prevê para os hospitais com natureza de entidade pública empresarial (EPE), que são quase todos. De acordo com o documento, estas unidades “terão um reforço de autonomia, designadamente em matéria de contratações para substituição de todos os profissionais de saúde”.

Esta tem sido uma das maiores reivindicações da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, assim como de directores de serviço. As contratações para substituições de longo prazo precisavam do aval da saúde e das finanças e não incluíam os médicos. Quanto à maior autonomia de gestão, o Orçamento de Estado deste ano previa que 11 hospitais beneficiassem de um novo modelo, que lhes garantia um orçamento mais ajustado, mas apenas quatro hospitais tinham os seus plano aprovados.

Entre as medidas anunciadas está um plano plurianual de 190 milhões de euros para investimentos. Esta era uma medida reclamada pela Convenção Nacional de Saúde e por alguns partidos políticos, que chegaram a introduzir esta possibilidade nas suas propostas aquando da discussão da nova Lei de Bases da Saúde.

Equilíbrio de contas

O reforço dos 800 milhões de euros, assumiu Mariana Vieira da Silva, procurou corresponder ao objectivo anunciado “de reduzir a suborçamentação ou as dificuldades de fazer responder o orçamento inicial às necessidades de cada ano”. Questionada sobre o facto de o reforço agora anunciado ser idêntico ao reclamado pelo Bloco de Esquerda, a ministra da Presidência não quis fazer essa ligação, referindo que estes são “valores que têm sido referidos por diferentes instituições, que estavam a olhar para esses níveis de orçamentação insuficiente no início de cada ano”.

Marta Temido disse esperar que com este “esforço, e que com outras medidas anunciadas” o sistema ganhe “cada vez mais equilíbrio”. “Não quer dizer que não haja disponibilidade para ajustamentos. O objectivo é acabar com a suborçamentação e acabar com os pagamentos em atraso”, acrescentou, referindo-se também à injecção de 550 milhões de euros que será feita até ao final deste ano para saldar dívidas e que é à parte do pacote dos 800 milhões para 2020.

Há vários anos que profissionais e administradores falam na suborçamentação da saúde e dos hospitais, dando como exemplo a necessidade cíclica de injecções financeiras para o pagamento de dívidas em atraso. Em Setembro, os valores das dívidas a mais de 90 dias chegavam a perto de 700 milhões (o mais alto registado este ano). No ano passado o Governo libertou 1400 milhões para o mesmo efeito.

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