Argélia escolhe novo Presidente contra exigência nas ruas de “mudanças radicais”
Eleições de quinta-feira têm cinco candidatos aprovados pelas autoridades, todos com ligações no passado ao antigo Presidente Abdelaziz Bouteflika. Manifestantes dizem que é “uma renovação do mesmo sistema” e exigem uma “revolução política”.
O ano mais conturbado na Argélia desde o fim da guerra civil da década de 1990 atinge um novo pico de tensão na quinta-feira, com a realização de umas eleições presidenciais muito contestadas nas ruas pelo movimento popular que provocou a queda do anterior Presidente, Abdelaziz Bouteflika.
Milhares de argelinos, muitos deles jovens que ainda não eram nascidos ou eram crianças quando a guerra civil acabou, em 2002, têm saído às ruas todas as semanas desde Fevereiro, na capital, Argel, e em outras cidades espalhadas pelo país.
O objectivo inicial era travar a anunciada candidatura de Abdelaziz Bouteflika a um quinto mandato presidencial, ao fim de 20 anos no poder.
Bouteflika, com 81 anos e raramente visto em público desde que sofrera um acidente vascular cerebral, em 2012, começou por desistir da candidatura e agendar uma revisão da Constituição. Mas rapidamente se percebeu que isso não era suficiente para os manifestantes, e o influente chefe das Forças Armadas, o general Ahmed Gaid Salah, pressionou-o a sair da presidência – o que aconteceu a 2 de Abril.
A esperança dos militares de que a saída de Bouteflika acalmasse os protestos não se confirmou, e os manifestantes continuam até hoje a exigir uma revolução política que afaste do poder todos os resquícios das décadas de influência do antigo Presidente, e que leve o poderoso aparelho militar para os quartéis, para longe das decisões políticas.
Poucos analistas acreditam que as eleições presidenciais de quinta-feira, com cinco candidatos aprovados pelas autoridades, todos eles com um passado ligado ao anterior Presidente, sejam a resposta para o fim da crise política, económica e social na Argélia.
“O regime teve sempre uma fachada civil, com os militares a governarem por trás do pano. Essa fachada colapsou com a queda de Bouteflika”, disse ao canal Al-Jazira Nacer Djabi, professor de Sociologia na Universidade de Argel.
“É verdade que a Argélia tem um líder interino, mas devido à sua falta de carisma e a uma saúde débil, o papel dos militares passou para primeiro plano”, disse Djabi, referindo-se ao Presidente interino, Abdelkader Bensalah, que deveria ser substituído ao fim de 90 dias mas que se mantém no cargo desde Abril.
Para os manifestantes, as eleições são apenas mais uma forma de o “pouvoir” argelino – o aparelho político e militar saído da guerra da independência contra a França, entre 1954 e 1962 – se perpetuar no poder, fazendo crer que o fim de Abdelaziz Bouteflika anunciou uma nova era.
As eleições surgem também depois de meses de perseguições a figuras da oposição e detenções de antigos políticos ligados a Bouteflika, acções que os militares dizem ser prova da sua vontade de enterrar o passado de corrupção e de garantir um novo começo.
Na terça-feira, a apenas 48 horas das eleições, um tribunal argelino condenou dois antigos primeiros-ministros a longas penas de prisão por envolvimento numa fraude no sector automóvel. Ahmed Ouyahia, chefe do Governo argelino num total de 12 anos, entre 1995 e 2019, foi condenado a 15 anos de prisão; e Abdelmalek Sellal, primeiro-ministro entre 2014 e 2017, foi condenado a 12 anos de prisão.
Os manifestantes não se deixam impressionar com o aparente combate à corrupção dos últimos meses e exigem “uma mudança radical”.
“A revolução não é só contra um Presidente, é contra um sistema”, disse à BBC Amina Boumaraf, uma jovem de 19 anos que não falha uma manifestação desde Fevereiro.
Outro manifestante, Yanis Cherrou, de 23 anos, afirma que as eleições de quinta-feira “são apenas uma renovação do mesmo sistema”.
“Eles estão a gozar connosco com estes candidatos”, disse Cherrou à BBC. “Não conseguiremos mudar o sistema se tivermos um Presidente que não nos representa, um Presidente que será ilegítimo.”