“Não te preocupes, é só uma depressão”

Para o bem da Humanidade é preciso mais, é preciso que se deixe de estigmatizar e de rotular. É preciso que a doença mental não seja permanentemente alvo de um “isso não é nada, vai passar”.

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Nelson Garrido

De acordo com a OCDE disparou o consumo de anti-depressivos, estando neste momento Portugal entre os países com doses mais elevadas de consumo. Somos com orgulho o país do fado, o que em tudo nos enaltece, trazendo consigo a lembrança e o perpetuar de muitas memórias que estão entranhadas em nós. No entanto, ficamos preocupadas sempre que nos apercebemos, seja na clínica, seja no dia-a-dia, que as pessoas continuam a parecer viver um “fado” que fica ainda mais difícil por ter de ser vivido em silêncio.

Diariamente vemos as pessoas a quererem batalhar para descobrir aquele que tem a dor maior, como se de um troféu se tratasse, mas, paradoxalmente, não aceitamos a tristeza, nem a depressão no nosso dia-a-dia. Agimos como se quem tem uma depressão fosse fraco e tentamos a todo o custo dizer “isso vai passar”, sem nos mobilizarmos para encontrar os recursos certos para resgatar o outro da depressão.

Agimos como se quem tem uma depressão estivesse nessa situação por uma escolha, mas esquecemo-nos que, regra geral, ninguém se deprime a custa de amor a mais, à custa de uma vida tranquila e recompensadora. Por isso, mesmo que, por momentos, tenhamos a sensação que a depressão é uma escolha, que faz daquela pessoa frágil, devemos sempre lembrar-nos que a depressão aparece muitas vezes em fim de linha após diversas luta. Por isso, deixemo-nos de estigmatizar quem sofre com depressão como se, no limite, tudo isso não passasse da uma escolha.

Preocupa-nos ainda mais saber que ainda é feito muito pouco pela saúde mental em Portugal e que, no mundo, a cada 40 segundos continua a morrer uma pessoa por suicídio, sendo ainda absolutamente impactante saber que a taxa de suicido entre os mais jovens tem vindo a aumentar. E todos somos responsáveis por não esticar a mão a cada uma dessas pessoas. A saúde mental, em particular a depressão, deve ser encarada como uma prioridade e uma urgência nos planos estratégicos de intervenção em saúde pública.

Não que tenhamos a ideia que só agora é que há pessoas deprimidas, mas apenas agora se começa a abrir uma janela para ouvir a dor depressiva. Até aqui, a saúde mental era um tabu e as consequências das dores depressivas escondidas foram desastrosas ao longo das gerações, mas ainda só temos um pedacinho da janela aberta. Para o bem da Humanidade é preciso mais, é preciso que se deixe de estigmatizar e de rotular. É preciso que a doença mental não seja permanentemente alvo de um “isso não é nada, vai passar”.

Não nos podemos esquecer que em cada depressão, regra geral, está uma pessoa, que mesmo que pareça resistir a todos os apelos, anseia ser resgatada e ser trazida para a vida, que em cada depressão está uma angústia profunda que apenas se deu à custa de muitas dores, dores essas muitas vezes não escutadas. Enquanto a prioridade de todos nós, não for as pessoas, continuaremos, com todo o respeito, a fazer da nossa vida um “triste fado”.

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