Maioria das pistolas roubadas da PSP podem nunca ter saído da posse da polícia, diz suspeito do furto

Agente Luís Gaiba põe em causa contabilidade segundo a qual desapareceram 55 pistolas da sede nacional da polícia.

Foto
A polícia desconhece o paradeiro da maioria das armas desaparecidas REUTERS/Ralph D. Freso

O polícia suspeito do roubo de 55 pistolas Glock da sede nacional da PSP declarou recentemente em tribunal que a maioria destas pistolas pode, afinal, continuar na posse da polícia. Como? Luís Gaiba acusa superiores hierárquicos seus de terem feito mal a contagem das armas guardadas neste local.

O caso remonta ao final de Janeiro de 2017 quando um traficante de droga sentado numa esplanada de uma confeitaria do Porto foi apanhado numa operação da PSP com uma Glock que tinha a inscrição “forças de segurança”. Era suposto estar guardada na sede nacional da polícia, na Penha de França, em Lisboa, de acordo com o que constava dos registos informáticos de controlo interno de armamento da PSP.

Como principal responsável pelo armeiro da sede nacional da polícia, Luís Gaiba foi chamado à responsabilidade. Tinha sido ele, juntamente com um colega, a elaborar o inventário do armamento existente quando iniciara funções neste local, em Dezembro de 2015. E não havia detectado nenhum desaparecimento suspeito.

Este inventário foi colocado numa folha de excel, tendo o polícia elaborado ainda um relatório sobre as fragilidades de segurança do armeiro, que não possuía sequer uma porta blindada nem estava dotado de videovigilância. “Solicitámos que o departamento de armas e explosivos efectuasse uma inspecção ao armeiro”, relatou o polícia. “Mais de seis meses depois foi feita e o resultado entregue ao director nacional, que disse a um superior hierárquico meu que era preciso esperar que houvesse orçamento” para resolver os problemas deste armazém de armamento que, na opinião de Luís Gaiba, não cumpria sequer aquilo que a PSP exigia aos civis nesta matéria.

Logo após os acontecimentos do Porto, Luís Gaiba, que se encontrava de férias, foi chamado de emergência à sede nacional da polícia. Assistiu à realização de um novo inventário por uma superior hierárquica, a comissária Isabel Lobo, que revelou o desaparecimento das 55 armas. A contagem foi feita confrontando as existências do armeiro naquele momento com a folha excel elaborada no final de 2015, explicou por videoconferência a um juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

Luís Gaiba, que se encontra preso preventivamente na cadeia de Évora, garantiu que ninguém sabe ao certo quantas pistolas faltam. Porque nos cerca de dois anos que esteve à frente do armeiro não actualizou, por falta de tempo, aquele seu inventário inicial – muito embora assegure que sempre registou as entradas e saídas de armamento na base de dados da PSP, o chamado Sistema Informático de Gestão de Armas.

“O ficheiro excel não tinha a lista total do material. Disse à comissária que aquela não era a melhor forma de fazer o levantamento, mas ela chegou a ser rude comigo. Mandou-me ficar calado e só falar quando me perguntasse alguma coisa”, relatou em tribunal. Declarações da mulher polícia em sede de inquérito confirmam os desentendimentos entre ambos. O colega disse-lhe que não concordava com a forma como estava a ser feito o levantamento, “chegando mesmo a ser insubordinado”.

Este segundo inventário enferma ainda de outro problema, segundo revelou Luís Gaiba: a comissária tinha ordens expressas para pedir aos polícias que tinham pistolas distribuídas, e relativamente a cujo paradeiro surgiram dúvidas, para ver as suas armas, o que nem sempre terá acontecido. Em muitos casos, a mulher polícia baseou-se também em informações que os agentes lhe prestaram por telefone, assegurou o arguido.

“Esta segunda contagem não foi baseada na carga total” de armas existentes, afirma Luís Gaiba, no entender de quem um inventário feito com maior rigor podia não ter como conclusão o desaparecimento de 55 Glock, mas de muitas menos. Até podiam sobrar armas, observou. Mais tarde foram apreendidas outras sete pistolas em Espanha que a PSP diz fazerem também parte do lote roubado

O arguido diz que em momento algum se apercebeu da falta das Glock, apesar de estas pistolas estarem à sua guarda, juntamente com o restante armamento. Porém, o Ministério Público acusou-o de ter levado consigo paulatinamente as 55 armas e respectivos estojos da sede nacional da PSP durante os dois anos que ali trabalhou, para vender no mercado negro através de intermediários.

O facto de ter pago a pronto, em dinheiro, um Audi usado de 7500 euros e de ter comprado vários electrodomésticos provará que ele é mesmo o ladrão. Mas o polícia alega que aquilo que lhe permitiu algumas extravagâncias foram as acções de formação que deu nas horas vagas. Contra ele joga ainda o facto de ser amigo de um traficante de armas e droga, António Laranginha, com quem mantinha conversas cifradas ao telefone que foram apanhadas nas escutas feitas pelos investigadores do caso, também polícias da divisão de investigação criminal da PSP.

Luís Gaiba ainda não está a ser julgado pelo roubo das Glock. As declarações que prestou em tribunal, por videoconferência, relacionam-se com a impugnação que está a tentar fazer da suspensão disciplinar que a PSP lhe aplicou por causa do desaparecimento das pistolas. Muito embora não possa regressar ao serviço, uma vez que se encontra preso preventivamente, caso vença esta causa no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa ver-lhe-á reposta parte significativa do salário que lhe foi cortada por via da suspensão.

A direcção nacional da PSP tem vindo a recusar-se a prestar quaisquer tipo de informações ou esclarecimentos sobre este assunto.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários