Sindicato dos Magistrados espera para ver “prioridade dada ao combate à corrupção” no OE2020

António Ventinhas assinala importância da delação premiada mas avisa que é preciso também reforço de meios técnicos e humanos.

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Sindicato dos Magistrados do Ministério Público comenta a criação do grupo de trabalho do Ministério da Justiça Sergio Azenha

É com cautela que António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, olha para a criação do grupo de trabalho do Ministério da Justiça e para as soluções apresentadas a priori. Embora admita que algumas são boas ideias, António Ventinhas diz ao PÚBLICO que espera para ver “qual a prioridade dada ao combate à corrupção no orçamento do próximo ano” e acrescenta ser “muito interessante fazer grupos de trabalho e estudos”, mas é preciso que o ministro das Finanças “se chegue à frente” com o investimento para aplicar medidas. E fazer com que estas não sejam apenas mais uma mão cheia de intenções para assinalar uma data. 

Realçando não conhecer o “articulado” desta espécie de caderno de encargos que a ministra Francisca Van Dunem estabeleceu para o grupo de trabalho criado na passada semana em Conselho de Ministros, o magistrado elogia, no entanto, que se esteja a pensar numa "estratégia integrada” de combate à corrupção, que é a única forma de obter resultados de peso. “Medidas desgarradas não levam a lado nenhum”, avisa. Mas isso implica que os agentes da investigação e da justiça tenham “mais instrumentos jurídicos e legais mas também mais instrumentos humanos”. Ou seja, são necessários mais procuradores, mais inspectores na PJ, mais peritos informáticos e fiscais, programas informáticos mais sofisticados, vai enunciando o magistrado.

Ventinhas considera que a delação premiada é o instrumento mais importante dos vários que Van Dunem terá posto em cima da mesa para o grupo de trabalho, mas recorda que o direito premial já existe no combate ao tráfico de droga e ao terrorismo e até nos crimes económicos, no caso da CMVM - Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, “onde as contra-ordenações são até mais pesadas que as penas de prisão e chegam aos milhões de euros”. Noutros países foi a delação premiada que permitiu, por exemplo, o combate às redes terroristas em Espanha ou o combate à máfia em Itália e nos Estados Unidos.

Sobre a separação dos megaprocessos, o sindicalista disse ao PÚBLICO que sem sempre é possível fazer isso, e, acerca da existência de juízos especializados no combate à corrupção, Ventinhas lembra que a Constituição interdita, à partida, a criação de tribunais especializados, embora seja certo que já há os de Família e Menores ou o de Comércio. “A especialização poderia ser um instrumento útil para a criação de corpos especializados de assessoria para os tribunais”. 

À TSF, António Ventinhas até deixou a sugestão para o lugar de coordenação do grupo de trabalho: Joana Marques Vidal, ex-procuradora-geral da República.

"Não se pode substituir um julgamento por um acordo"

Por seu lado, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses diz não ter qualquer objecção “desde que haja um julgamento em que o juiz possa verificar de a colaboração foi relevante e espontânea, se os factos ocorreram conforme o delator os conta e desde que isso seja sujeito a um contraditório pleno na audiência”. Isto é, a pessoa que é denunciada tem o direito de saber em que termos a colaboração foi prestada e com base em que proposta.

"Não podemos substituir um julgamento por uma mera denúncia, um acordo ou um negócio entre um delator e o Ministério Público para se encontrar uma pena ou uma dispensa de pena”, defendeu Manuel Ramos Soares na TSF.

"Mudar o paradigma"

João Paulo Batalha, presidente da TIAC - Transparência e Integridade, pede calma e que se evitem precipitações de fazer pacotes de medidas sem uma avaliação prévia. Por isso, defende que a estratégia para o combate à corrupção não pode passar apenas pelas alterações legislativas nem partir apenas do Governo - deve ser feita na Assembleia da República, com uma discussão de âmbito nacional, até mesmo através de uma comissão eventual, como já chegou a acontecer noutras ocasiões.

“É preciso repensar a arquitectura penal”, defende este activista, vincando ser precisa uma “alteração de paradigma no combate à corrupção”. “O combate à corrupção precisa de conhecimento aprofundado, experiência, que envolve branqueamento, offshores, fugas aos impostos e precisa de ser tratada por magistrados especializados”, diz João Paulo Batalha, que considera que não há uma leitura estrita sobre o que pode ser ou não constitucional, uma vez que há um artigo que permite a especialização, como é o caso dos tribunais de família ou concorrência.

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