Morreu Rogério “Pipi”, antigo avançado do Benfica
Tinha 97 anos uma das grandes figuras das “águias” nos anos 1940 e 1950.
Rogério Lantres de Carvalho, o “Pipi”, era de um tempo em que o futebol era feito de rivalidades amigáveis. E de um tempo em que os jogadores já eram privilegiados, mas não eram profissionais. Rogério não gostava dos ordenados altos dos futebolistas actuais e preferia o amor à camisola. Aliás, referia-se ao “seu” Benfica como um irmão – tinha só menos 18 anos de existência que o clube da águia, fundado em 1904. Morreu neste domingo, um dia depois de completar 97 anos, uma das primeiras grandes “estrelas” do futebol benfiquista, um avançado que marcou mais de 200 golos pelo seu clube de sempre e que foi o primeiro a levantar, por acidente, o primeiro troféu europeu conquistado pelos “encarnados”.
Natural de Chelas, foi no clube local (que daria, depois, origem ao Oriental) que Rogério começou a dar os primeiros toques. Mais tarde, foi descoberto por Fernando Peyroteo, um dos “cinco violinos” do Sporting, e foi fazer testes com os “leões”, mas não convenceu — e não lhe agradava jogar no rival do “seu” Benfica. Acabou mesmo por ir jogar para as “águias”, que representou durante 12 anos, entre 1942 e 1954, marcando 204 golos. Pelo meio, ainda se tornou no primeiro jogador português a actuar no Brasil, um ano no carioca Botafogo.
Numa era em que o Sporting era o grande dominador do futebol português, com uma linha avançada que ficaria para a história como os “Cinco Violinos”, Rogério seria um dos jogadores em destaque dos “diabos vermelhos” que furaram várias vezes esse domínio, abrindo caminho à geração de Eusébio e outros para estabelecer o Benfica como o clube português mais ganhador. Pelo Benfica conquistou três campeonatos, seis Taças de Portugal e uma Taça Latina, em 1950, numa final em dois jogos frente ao Bordéus, e foi ele o primeiro a levantar o troféu no Jamor, mesmo não sendo o capitão de equipa.
Palavra ao próprio Rogério, que recordou o episódio numa entrevista ao PÚBLICO (que pode ler na íntegra aqui) e ao jornalista Adelino Gomes, em 2004: “O capitão era o Jacinto. Mas quando acabou o jogo a multidão invadiu o campo e eu, como estava no lado esquerdo, não tive tempo de correr para a cabina. Vi-me em frente à tribuna do Estádio Nacional onde estava o Presidente, Craveiro Lopes, e o Guilherme Pinto Bastos. Eles pediram lá de cima: ‘Um jogador do Benfica que venha buscar a Taça!’. Como não vi mais ninguém, subi por ali acima. Deram-me a Taça acompanhada de 12 ou 13 medalhas de ouro. Com medo de as perder, meti as medalhas dentro da Taça, agarrei-a ao peito e ali andei, ao colo dos adeptos, sempre com a Taça ao peito a segurar as medalhas.”
Depois de sair do Benfica, momento que coincidiu com a chegada ao clube do treinador brasileiro Otto Glória, Rogério ainda jogou no Oriental sem receber ordenado (apenas prémios de jogo) e chegou a ser campeão da II Divisão, um último título a juntar a um enorme currículo que incluiu 15 jogos pela selecção portuguesa entre 1946 e 1953 (dois golos marcados). Após terminar a carreira, fixou-se em Chelas onde teve um stand de automóveis.
A alcunha de “Pipi” ficou-lhe para a vida. Foi porque era um jogador elegante, dentro e fora de campo. Gostava de uma boa roupa, chegou a pousar para a capa da revista “Flama”, como se fosse um “artista de Hollywood”, contava ao jornal “A Bola”. Na entrevista ao PÚBLICO em 2004, Rogério falou de como acabou a ser “Pipi” para sempre: “Eu gostava de andar bem vestido. Era uma vaidade. Ou nem isso: a vaidade é uma má qualidade interior, não é exterior. Diziam isso também porque eu tinha uma grande agilidade e uma velocidade muito grande. O Tomás Paquete uma vez desafiou-me. Era o campeão nacional dos 100 metros. ‘Tens a mania que corres muito, um dia vem aqui que eu dou-te um bigode’. Um dia fui lá mesmo. Só lhe disse que quem dava a partida era eu porque nas partidas eles são muito rápidos. Fizemos os 100 metros, ele ganhou-me mas por pouco: ‘Porra, tu corres como o diabo!'”