Os resultados do PISA: para lá da culpa e da esperança

Na ironia de um emérito professor norte-americano, “medir a qualidade da educação com recurso a testes estandardizados é o mesmo que medir a temperatura com uma colher de sopa”.

Mais uma vez, como sucede a cada 3 anos, o espetro dos resultados do PISA está entre nós! Com duas décadas de vida, o PISA é acolhido com uma atenção e reverência nunca atribuídas a avaliações congéneres. Neste dia, mais do que a receção mediática, ampliada pela pontual competência da OCDE na gestão da informação, saliento que os resultados do PISA são aceites, por muitos, exatamente como a OCDE os apresenta: um espelho tão perfeito da educação que com ele se monitoriza o desempenho do país. A minha posição é inteiramente outra: observo-o como tecnologia de governo, por forma a vir a compreender os mecanismos de administração da vida educativa e a influência em educação das organizações internacionais. É por essa razão que não tenho a veleidade de explicar os resultados do PISA; antes me interessa o seu significado político, em educação. Como tal, nestas notas, quero chamar a atenção para três ideias: os custos de confiar no PISA, as suas limitações e a prudência no seu uso na ação pública.

Custos da confiança

Parte da confiança atribuída ao PISA não se encontra na sua qualidade técnica (que detém, apesar de epistemológica e metodologicamente criticável), nem na criação pela OCDE de uma ecologia favorável ao seu uso (que é relevante), mas em forças institucionais. Entre estas destaco a objetividade culturalmente conferida aos números e a perceção da OCDE como entidade que diz a verdade. Sobre a primeira, recordarei, à luz de outros, que os números do PISA não falam por si, mas só quando inseridos nos discursos sobre educação. Assim, os cristalinos e robustos números servem para legitimar o mantra da aprendizagem do séc. XXI (resolve problemas, conduz-se como um empreendedor, capacita-se para uma vida de formação para a empregabilidade) e do conhecimento utilitário que a Escola deve preferir (o que funciona e resolve problemas do dia-a-dia). Quanto à segunda, e quando a qualquer um parece impossível perguntar qual o custo-benefício da participação no PISA, um outro preço subsiste, pois a naturalização do PISA como espelho implica a obediência a uma regra no governo da educação: o teste estandardizado realizado por estudantes de 15 anos em 3 horas é o meio pertinente para capturar a complexidade educacional e a qualidade dos sistemas de ensino. Esta dependência situa os decisores num espaço cooperativo-competitivo mundial no qual a comparação dos resultados autoriza o exercício de um poder moralizante, por via da atribuição de culpas e virtudes aos sistemas, seus reguladores e agentes.

Limitações

Os resultados do PISA resultam de um teste estandardizado que, como qualquer outro, tem limitações. Lembro duas. (1) Os resultados são largamente determinados por fatores extrínsecos às práticas escolares, designadamente por fatores socioeconómicos e culturais, pelo que a variação dos resultados não pode basear-se apenas em observações, exigências e políticas sobre as escolas e os professores. Precisa, também, ser analisada e procurada em políticas sociais efetivas e em exigências ao sistema social. (2) Nenhum teste estandardizado pode estar ajustado ao que é procurado pelo ensino em cada contexto específico de ação, pelo que são necessárias outras ferramentas com essa capacidade. Na ironia de um emérito professor norte-americano, medir a qualidade da educação com recurso a testes estandardizados é o mesmo que medir a temperatura com uma colher de sopa. Deixando as insuficiências próprias ao tipo de avaliação, nas análises dos resultados, noto o cansaço provocado pela repetição ad nauseam, ou por perda momentânea de memória, de uma ideia com 40 anos: as escolas fazem a diferença. Quer seja consequência do modelo de análise seguido ou inconsciente preservação de um mito necessário, a conclusão acrescenta pouco valor ao conhecimento sobre educação.

Prudência

Prudência é a palavra que encontro para sintetizar melhor a atitude face aos resultados do PISA, quaisquer que sejam, e para enfrentar os poderes que desencadeiam, de culpa e de esperança. Por isso, exprime um convite ao realismo pluralmente informado, com uso de dados quantitativos e extensivos, indispensáveis para compor séries ininterruptas e longitudinais dos alunos (uma incapacidade metodológica do PISA, note-se) e dados da ação educativa contextualizada, sem descartar especulação e opinião. Tudo isto é necessário, para que o debate democrático não seja feito em função de dados gerados por peritos escolhidos pela OCDE, Estados e redes profissionais. No saber e no decidir em educação, como noutros campos da vida, não se devem pôr todos os ovos no mesmo saco, nem usar todos os ovos do mesmo saco…

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