As vantagens da (im)popularidade
E se precisássemos de alguém com as características de Greta Thunberg para poder insistir de forma tão veemente numa temática, desprezando o facto de não se encaixar nos padrões de popularidade? E se fosse preciso alguém como ela para trazer este assunto para a ordem do dia?
Há mais de um ano que ouvimos falar de Greta Thunberg quase diariamente. Ela e a “sua” emergência climática estão por todo o lado. Muito se tem dito e escrito sobre esta causa, da qual não sou especialista. Apenas me relaciono com ela porque habito neste planeta e percebo que devemos preservá-lo, sob pena de este falecer se não o fizermos num futuro próximo.
Alarmismo ou realismo à parte, não é este o motivo que me leva a escrever sobre Greta, a sua imagem ou o seu mérito. Esta terça-feira, 3 de Dezembro, celebra-se uma efeméride que ninguém refere quando abrimos os sites de notícias onde, invariavelmente, está o desembarque de Greta em Lisboa. Alguns saberão que hoje é o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, que se assinala desde 1982. Esta data foi criada pelas Nações Unidas numa tentativa de despertar para uma maior inclusão destas pessoas na sociedade e também promover a sua participação e exercício pleno dos direitos humanos. Destaco que este dia se comemora há já 37 anos e ainda há um caminho tão longo a percorrer pelos seus objectivos. E agora, o que tem isto a ver com o desembarque de Greta em Lisboa? Para mim, tudo.
Não sei se todos os leitores terão reparado na leve referência, quase sempre feita nas notícias sobre Greta: “A jovem sofre de síndrome de Asperger, uma perturbação do espectro do autismo”. Só assim, sem explicações. Num mundo ideal, onde não fosse necessário continuar a alertar para a deficiência com um dia específico, esta seria apenas mais uma característica de Greta, tal como seu penteado favorito ser uma ou duas tranças. Mas isto seria numa sociedade onde todos tivessem acesso à informação (de qualidade) e soubessem o que é o autismo, o que é viver com autismo e como isso pode condicionar, de forma negativa ou positiva, a interacção com os outros seres humanos (e, quem sabe, com os outros seres do planeta?).
A reflexão que aqui quero deixar surgiu pela coincidência de acontecimentos neste dia, mas foi catalisada por uma mensagem de ódio que vi esta manhã nas redes sociais. Alguém escreveu: “Sinceramente... sabes porque não acho piada à Greta? A postura dela e as feições são sempre tão carregadas e com um discurso tão revoltado e agressivo (…) Já li várias coisas sobre isso, que tem uma ‘doença’ que a faz ter aquela expressão facial, e mais umas coisas. Se calhar até estou a ser muito injusta.” Pois é, Greta tem “uma doença”, cujos critérios de diagnóstico são justamente as dificuldades na interacção social e os interesses restritos e repetitivos.
E se aquilo que salta à vista dos haters – a falta de simpatia, a “obsessão” com um tema, como se nada mais importasse, a insistência naquilo que a preocupa, fazendo-o muitas vezes de forma desadequada, quando parece não interessar a mais ninguém — se pudesse explicar pela sua “patologia”? O meu desafio seria fazermos precisamente o raciocínio inverso: e se precisássemos de alguém exactamente com estas características para poder insistir de forma tão veemente numa temática, desprezando o facto de não se encaixar nos padrões de popularidade? E se fosse preciso alguém como a Greta para trazer este assunto para a ordem do dia? E mantê-lo lá há tantos dias.
Se assim fosse, talvez o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência pudesse ser “celebrado” de uma outra forma, mostrando que, por vezes, as dificuldades abrem caminho para uma forma diferente de abordar o mundo e, quem sabe, ajudar a salvá-lo.