Clima — medidas em curso, o que é preciso fazer e um urso polar de peluche

Chefes Estado de vários países e outros governantes participaram esta manhã numa mesa-redonda presidida pelo chefe do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, explicando o que fizeram, o que pretendem fazer e o que os preocupa nas alterações climáticas em curso.

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António Costa com Pedro Sánchez à chegada à COP25, nesta segunda-feira CHEMA MOYA/EPA

A partir do momento em que o Presidente da Áustria, Alexander van der Bellen, começou a sua intervenção na reunião de chefes de Estado e governantes da Cimeira do Clima em Madrid, com um urso polar de peluche na mão, a tarefa do primeiro-ministro português, António Costa, que interveio imediatamente a seguir, tornou-se mais difícil. Captar a atenção dos líderes mundiais sentados na mesa-redonda presidida pelo chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, sem um peluche na mão, obrigou Costa a manter o seu objectivo de explicar o que Portugal já fez na sua luta pela redução de emissões de gases com efeito de estufa, mas sem ignorar o brinquedo peludo no meio da sala. “Vamos salvar não só os ursos polares, mas já agora também a própria humanidade”, disse, na manhã desta segunda-feira.

Com o ministro do Ambiente e da Acção Climática português, João Pedro Matos Fernandes, a ouvir atentamente os três minutos que lhe foram concedidos (e aos restantes participantes), o primeiro-ministro português explicou que a transição energética que está a ser exigida ao mundo já está em curso em Portugal, sem prejuízos a nível económico.

“Muitos receavam o aumento do custo da energia [com a transição para as renováveis]. Só nos últimos quatro anos, o custo da energia reduziu-se em 8%, enquanto na União Europeia aumentou 6%. A maior incorporação de energias renováveis não aumenta o custo e pode baixá-lo. E julgamos que vai baixar ainda mais. Em Julho passado fizemos um grande leilão para a concessão de licenças para a produção de energia eléctrica com base no solar e conseguimos obter o recorde mundial de preço mais baixo da energia”, disse Costa.

António Costa explicou que 54% da totalidade de electricidade consumida no país tem já origem em fontes renováveis e frisou que o objectivo nacional é fazer subir essa percentagem para 80% em 2030. Referiu-se à antecipação do encerramento das centrais de carvão de Sines e Pego e à intenção de tornar uma “prioridade uma maior produção de hidrogénio verde”. Passos para atingir a neutralidade carbónica em 2050, tal como está definido no roteiro nacional.

Frisando que, apesar dos passos dados, Portugal tem “a responsabilidade de ir mais longe e mais rápido”, o primeiro-ministro apelou à necessidade de os líderes mundiais fazerem esforços similares, agindo “em conjunto”. E, enquanto informava os participantes na mesa-redonda que Lisboa será em 2020 “a primeira cidade do Sul da Europa” a tornar-se Capital Verde, convidou-os a participar também na conferência da ONU sobre os oceanos, que irá organizar em conjunto com o Quénia e irá realizar-se na capital portuguesa.

António Costa foi um dos muitos líderes que ao longo de cerca de duas horas desfiaram as suas preocupações e acções para combater as alterações climáticas. Os responsáveis políticos de países mais afectados pelas alterações climáticas – sobretudo de algumas ilhas – frisaram a vulnerabilidade a que estão sujeitos, por mais que façam, e insistiram na necessidade de reforço do financiamento para as medidas de mitigação, adaptação, perdas e danos. “As alterações climáticas não são justas, afectam os países mais vulneráveis”, sintetizou a ministro do Ambiente do Chile, Carolina Schmidt, que preside à COP25.

A nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, lembrou que em dez dias vai apresentar o Pacto Ecológico Verde e que irá avançar com um fundo para a transição justa. Também a representante da Bélgica anunciou que o país pretende duplicar em 2020 o contributo nacional para o Fundo Verde para o Clima, enquanto o primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, garantiu ter “esperança” na capacidade de os líderes mundiais ultrapassarem a actual emergência climática, lembrando que a chuva ácida, um problema que marcava a agenda climática quando era adolescente, “desapareceu, porque se fez um trabalho colectivo, sério e responsável”. Nem os Estados Unidos da América nem a China, os dois principais emissores de dióxido de carbono, participaram na mesa-redonda.

Com o urso de peluche na mão, o Presidente da Áustria quis deixar a sua promessa de um compromisso mais ambicioso directamente ao menino de seis anos que irá receber o brinquedo, como prenda de anos. Alexander van der Bellen contou que numa visita ao seu escritório, o pequeno David viu a atenção captada pelos opulentos candeeiros de cristal do edifício, mas que em vez de se deixar encantar, afirmou que era necessário poupar energia “caso contrário os ursos polares vão morrer”. Em 2050, quando o pequeno David for adulto, Van der Bellen quer saber se ele viverá numa Viena em que muitas árvores não sobreviveram e se terá uma filha afectada pelo dengue, que deixará de ser uma doença tropical, por força das alterações climáticas. Ou, se pelo contrário, viverá numa cidade de ar limpo, em que se desloca de transporte público e com muito mais árvores do que hoje. “Somos decisores políticos. As nossas crianças vão pensar no que fizemos ou não fizemos. Quando der este urso ao David vou dizer-lhe que muitos adultos vão fazer tudo o que podem para o proteger”, disse.

A COP25 arrancou esta segunda-feira em Madrid, sob a presidência do Chile, que desistiu de a acolher devido aos conflitos sociais que têm enchido as ruas do país de protestos nas últimas semanas. A cimeira decorre até ao próximo dia 13, sob a pressão da emergência climática que já poucos se recusam a aceitar e a insistência de vários responsáveis, incluindo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, de que o momento de agir é agora e que as acções de cada país, cidade ou empresa têm de ser mais ambiciosas e mais rápidas para impedir o aquecimento do planeta.

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