Morreu o “prodigioso” maestro Mariss Jansons
Dirigiu algumas das mais importantes formações do mundo, como a Filarmónica de Viena e a Orquestra Real do Concertgebouw de Amesterdão. Dizia que “imaginar o conteúdo da música” era tarefa do director de orquestra.
Mariss Jansons era considerado um dos melhores maestros do mundo e tinha 76 anos. Morreu este domingo na sua casa em São Petersburgo, de insuficiência cardíaca. A notícia foi avançada via comunicado pela Orquestra Filarmónica de Viena, que o músico letão dirigiu três vezes nos sempre aclamados concertos de Ano Novo, e prontamente confirmada por fontes familiares, mais tarde citadas pela imprensa russa.
Poucos são os chefes de orquestra que, como Mariss Jansons, podem ostentar com orgulho o título de maestrissimo, escreve o diário francês Le Figaro, definindo-o como um profissional “carismático, enérgico e prodigioso”.
“Sincera gratidão pela sua arte que permanecerá connosco para sempre”, disse Alexander Beglov, governador da cidade de São Petersburgo, reagindo à morte de “um maestro notável”.
Nascido em Riga em 1943, na então URSS, numa casa onde não faltava música — o seu pai era o também maestro Arvid Jansons e começou por lhe ensinar violino —, Mariss Jansons teve um percurso fulgurante. Optando por não seguir os conselhos do pai, que queria que continuasse a sua formação no primeiro dos instrumentos que tocara, estudou piano e direcção de orquestra no Conservatório de Leninegrado, cidade para onde Arvid Jansons se tinha mudado quando o filho tinha apenas três anos para ser assistente do maestro Yevgeny Mravinsky.
Aos 26, Mariss Jansons partiu para a Áustria para aprofundar os estudos de direcção de orquestra em Viena e Salzburgo. Foi nesta última que trabalhou com Herbert von Karajan, um dos maiores maestros do século XX, que conduziu os destinos da prestigiada Filarmónica de Berlim durante 35 anos.
“[Os meus mestres] deram-me muitos motivos de inspiração e um conhecimento profundo do que é a regência. Mravinsky era um maestro excepcional — os seus ensaios eram incríveis e isto explica que tornasse a sua orquestra numa das melhores do mundo. Karajan tinha uma personalidade marcada, que, no momento do concerto, se transformava numa energia e numa concentração extraordinárias. Em Viena, com Hans Swarowsky, adquiri uma enorme familiaridade com o repertório e o estilo de interpretação vienense”, disse o maestro ao PÚBLICO em Janeiro de 2004, quando esteve em Lisboa para dirigir a Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera num programa integrado no Ciclo Grandes Orquestras Mundiais, da Fundação Gulbenkian.
Com uma extensa lista de formações no seu currículo, Jansons começou por trabalhar como assistente na Orquestra Filarmónica de Leninegrado (hoje Orquestra Filarmónica de São Petersburgo) em 1973. Seis anos mais tarde assumiria também a direcção musical da Filarmónica de Oslo, cargo que só deixou, por iniciativa própria, em 2000, depois de um insanável conflito com as autoridades municipais a propósito da acústica da principal sala de concertos da cidade e depois, sublinhe-se, de ter transformado esta formação numa referência mundial.
Foi dirigindo a orquestra de Oslo em La Bohème, aliás, que em 1996 Mariss Jansons teve o primeiro de uma série de ataques cardíacos e quase morreu (o seu pai morrera precisamente durante um concerto, em 1984).
Maestro convidado da Orquestra Sinfónica de Londres, director musical da de Pittsburgh e titular da Orquestra Real do Concertgebouw de Amesterdão (até 2016) e da Sinfónica da Rádio da Baviera desde 2003 até hoje, Jansons tem na sua discografia importantes integrais de Tchaikovsky e de Chostakovitch, e ainda gravações de Strauss, Dvorák, Bruckner, Britten e Mahler, muito Mahler.
O já referido concerto de 2004, em Lisboa, incluía precisamente a Sinfonia n.º 6 de Dimitri Chostakovitch. “O regente deve imaginar o conteúdo da música, descobrir o que está para além da partitura. Não se trata de ir lendo nota após nota, mas de descobrir o seu conteúdo e de transformá-lo em imagens e atmosferas”, dizia.