Os EUA perderam a moral
Hoje a imagem de farol moral dos EUA extinguiu-se e nem os norte-americanos conseguem ver na sua conduta reflexos de probidade.
“Os nossos aliados têm de saber que continuamos a ser uma força do bem, e, por favor, tenham paciência connosco enquanto passamos por esta época”. Quem disse isto foi o demitido secretário da Marinha norte-americana, Richard Spencer. A “época” a que ele se refere é, obviamente, a de Donald Trump à frente dos Estados Unidos, a que, cada vez mais, corresponde o desvanecer deste país enquanto referencial ético.
É evidente que, ao longo da história, houve muitas ocasiões em que os EUA foram tentados pelo “lado negro da força” e, em defesa dos seus interesses, actuaram de forma desprezível e moralmente condenável. Mas houve muitas mais em que agiram do lado certo e, absolutamente relevante, houve muitas ocasiões que, agindo mal, acharam que estavam a fazer pelo bem.
Hoje esta imagem de farol moral extinguiu-se e nem os norte-americanos conseguem ver na conduta do país reflexos de probidade. Mesmo muitos dos que apoiam Trump fazem-no apesar do que ele é, até porque é gritante o contraste entre o que defendiam ainda há bem pouco e aquilo que o Presidente tem feito. É fácil ver este apagamento no abandono dos aliados curdos ou na inacreditável situação dos telefonemas de Donald Trump para o Presidente ucraniano. Nesta última, os EUA, que tinham o combate à corrupção como uma das armas contra os regimes oligárquicos de Leste, surgem como corruptores na figura do seu Presidente, que, sublinhe-se, terá afastado uma embaixadora, Marie Yovanovitch, por pressão dos corruptos.
Os danos à confiança do mundo nos norte-americanos irão estender-se muito para lá do momento em que Donald Trump abandonar o seu cargo, porque foram abertos precedentes e feridos valores que demorarão muitos anos a sarar. E isso é ainda mais claro quando nem aqueles, como Richard Spencer, que estão dentro do círculo de poder conseguem conviver com a degenerescência moral do seu Presidente.
O ex-secretário da Marinha saiu porque não conseguiu conviver com um Presidente que a todo o custo quis perdoar totalmente um soldado, apesar de serem claros os abusos que cometeu. Ele sabe que há um espírito de corpo, que é suposto protegermos os nossos, mas que isso não pode pôr em causa aquilo que definiu como “combater com ética”, que é o que define claramente “uma força do bem”. Porque, quando vale tudo, muitas vezes isso quer dizer que já perdemos o que realmente importa.