ISV: Bruxelas dá um mês a Portugal para corrigir imposto sobre carros importados
Comissão Europeia rejeita explicações de Mário Centeno sobre Imposto sobre Veículos e ameaça levar discriminação a tribunal.
O Governo português tem de alterar a forma como calcula o Imposto sobre Veículos (ISV) para os carros em segunda mão que foram comprados no estrangeiro e matriculados em Portugal.
A Comissão Europeia decidiu notificar Lisboa com um parecer fundamentado sobre o tema, mostrando que rejeita as explicações de Mário Centeno, apresentadas na sequência de um procedimento de infracção aberto no início do ano contra Portugal. Os argumentos de Lisboa foram rejeitados e o Governo tem agora um mês para agir. Caso contrário, Bruxelas levará o caso ao Tribunal de Justiça da União Europeia (UE), que aliás já se tinha pronunciado em 2016 dizendo que a legislação portuguesa em matéria de ISV violava a legislação europeia.
É a terceira derrota do ministério das Finanças em poucos meses. Desta vez, prometendo novo confronto com as instituições europeias. É também um diferendo que pode opor o Estado a cada vez mais contribuintes, porque o comércio de carros importados tem crescido a dois dígitos. Números do próprio Ministério das Finanças indicam que, entre 2017 e 2018, “o número de veículos provenientes da UE teve um crescimento de 14%, muito acima da taxa de crescimento da venda de veículos novos, de apenas 2%”.
“Isto tem sido uma longa discussão com Portugal. Andamos nisto há anos”, observa Vanessa Mock, porta-voz da Comissão Europeia para assuntos fiscais. “Não temos chegado a lado nenhum, a posição portuguesa é discriminatória, põe em causa as regras do mercado único, prejudica pequenas e médias empresas, importadores de veículos e os próprios consumidores que assim não têm acesso, em condições de igualdade fiscal, a todos os produtos existentes no mercado único”, explica.
Em Portugal, o Estado perdeu dois processos em sede de tribunal arbitral, a favor de um contribuinte de Aveiro que contestou os valores liquidados pela Autoridade Tributária (AT). No primeiro caso, a Autoridade Tributária ainda tentou recorrer, por ordem do Governo, mas as decisões arbitrais são irrecorríveis. No segundo caso, mais recente, não se sabe o que vai o executivo fazer. O PÚBLICO questionou o ministério de Mário Centeno sobre isto. E continua sem resposta. O PÚBLICO perguntou agora ao Governo o que vai fazer. Até ao momento, não houve reacção.
Para Bruxelas, não há dúvida: a legislação portuguesa “não leva em conta a total depreciação dos carros importados de outros Estados-membros e, por isso, a lei portuguesa não é compatível com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”. O referido artigo visa assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência. No entender de Bruxelas, a decisão do primeiro Governo de Costa, que foi quem mexeu no código do ISV, de não depreciar a componente ambiental deste imposto, significa que quem compra um carro usado no estrangeiro paga ISV como se este fosse novo, encarecendo o produto e, dessa forma, discriminando um bem em função da origem geográfica.
No primeiro caso decidido em Portugal, de Maio, o Estado foi condenado a devolver 417,80 euros. No segundo caso, do mesmo contribuinte, já em Novembro, o Centro de Arbitragem Administrativa de Lisboa, condenou o Estado a devolver 2930 euros de ISV. Há mais casos no CAAD ainda por decidir e também em tribunais administrativos e fiscais, de contribuintes que contestaram o valor do imposto liquidado pela AT.
“A Comissão decidiu hoje enviar um parecer fundamentado a Portugal por taxar carros usados importados de forma mais pesada do que os carros comprados no mercado nacional”, anuncia Bruxelas, nesta quarta-feira, confirmando o que já era esperado.
Para o ministério das Finanças, porém, “o actual modelo de apuramento do ISV sobre os veículos usados comprados noutros Estados-Membros da União Europeia é plenamente justificado”. Diz o Governo que “se os veículos novos pagam a totalidade do imposto correspondente à componente ambiental, com base nas respectivas emissões de CO2, por maioria de razão, também os veículos usados devem suportar o pagamento da totalidade dessa componente ambiental, uma vez que os malefícios causados ao ambiente não são inferiores aos dos veículos novos”.
O executivo alega ainda que “reduzir a componente ambiental da tributação dos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro na mesma proporção em que é actualmente reduzida a componente de cilindrada equivaleria a consagrar um alívio fiscal à importação de veículos usados mais poluentes, violando o princípio da igualdade: os veículos usados seriam menos tributados por cada grama de CO2 emitida do que os veículos novos”.
Para Bruxelas, os argumentos de Lisboa não foram suficientes. A Comissão frisa, aliás, que o Estado Português já tinha sido derrotado uma vez no Tribunal de Justiça da UE, por causa deste tipo de “discriminação”, fazendo notar agora ao ministro Mário Centeno (que mexeu no ISV quando entrou para o Governo), que a lei portuguesa viola regras europeias.