Gonga deixou tudo para correr o mundo em busca de amigos imaginários

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Esta é a história de Gonçalo Pires-Marques, artista plástico e arquitecto português, que, em Janeiro, largou Lisboa e o seu atelier de arquitectura e embarcou “numa viagem de busca pessoal”.

Já tinha sido ilustrador, trabalhando directamente com o Independente e Expresso, mas acabou a formar-se em Arquitectura e a abrir o seu próprio escritório. “Quando dei por mim já era empresário e quanto mais me afastava da arte, mas cinzento me sentia”, confidencia ao telefone com o P3. “Sentia-me um autêntico robô. Nunca tinha tempo para nada.” À medida que este sentimento ia crescendo, Gonga – nome artístico  deu por si a pensar que “a felicidade tinha sido distante”, lembrando-se da “criança que tinha todos os sonhos do mundo” e que costumava desenhar figuras, mas “essa pessoa estava tão longe”.

Saturado, então, da vida em Lisboa e da rotina casa-trabalho e com vontade de reencontrar a sua criança interior, partiu em direcção a África. Finalmente podia fazer voluntariado. Juntou-se aos Arquitectos sem Fronteiras e contribuiu para a construção de uma escola na vila de Karsi Kunda, na Gâmbia. Trabalhou na preservação de rinocerontes negros no Zimbabwe. Foi da Antárctida ao Árctico pelo continente americano. Passou pela selva da Amazónia peruana e experienciou "rituais xamânicos com uma tribo”. E, aventura atrás de aventura, foi encontrando cada vez mais os seus amigos imaginários. Porém, para fazer as pazes com eles, sentiu que teria de passar por Tóquio, a terra dos desenhos animados da sua infância. Desde Setembro que se encontra na capital japonesa em residência artística, tendo apresentado em Outubro a exposição Among Us na galeria Almost Perfect.  

Pintadas com tinta japonesa, as figuras expostas representam os “amigos imaginários que nunca vão embora", mas que todos deixam "de procurar", e destacam-se por entre imagens urbanas do quotidiano. Gonçalo vê em Among Us uma fiel representação da vida que levava em Lisboa, mas podia retratar o dia-a-dia de qualquer indivíduo numa grande cidade. “Escolhi também Tóquio para o primeiro momento desta exposição porque é uma cidade esmagadora e é muito caricata por esse motivo”: as pessoas parecem “formigas”, caminham "sem se verem umas às outras, só olham para os telemóveis” e não tiram muitos dias de férias porque “parece mal”, explica o ilustrador, quase de partida para o Tibete. "Estou aqui há meses e ainda não vi a Lua." 

Gonçalo quer que Among Us seja uma espécie de alerta. Espera ajudar outros a lembrarem-se dos seus sonhos, dos projectos e dos amigos imaginários com os quais cresceram, que muitas vezes são trancados em gavetas com o acréscimo das responsabilidades e “com a rotina da vida adulta numa cidade moderna”. Por isso, para além da exposição, transformou os seus "monstrinhos" em tatuagens temporárias – “'kalkitos' como dizíamos em criança” – e agora um jornal japonês vai colocá-los “perdidos no meio de textos (como se deambulassem perdidos na cidade)”. Uma forma de dizer que “os nossos amigos imaginários ainda vivem entre nós”. E, claro, vai continuar a apresentá-los na sua conta de Instagram e, quem sabe, numa galeria em Lisboa no início do próximo ano.