Bruxelas avisa Macron que a revisão das regras para o alargamento não pode servir para travar negociações

Presidente de França quer reformar um processo que diz que tem “falhas”. Parceiros aceitam debater mas não querem adiar por mais tempo a decisão sobre a abertura das negociações de adesão à Macedónia do Norte e Albânia. “Se perdermos agora os Balcãs, corremos o risco de mais conflito na região”, alerta ministro finlandês.

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STEPHANIE LECOCQ/EPA

Já não é só o Presidente de França, Emmanuel Macron, que reclama uma revisão dos procedimentos previstos para a adesão de novos países à União Europeia. Outros seis Estados-membros também defenderam a reforma da metodologia para o alargamento, numa carta conjunta enviada, na semana passada, ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Assinada pelos ministros dos Assuntos Europeus da Áustria, Eslováquia, Eslovénia, Itália, Polónia e República Checa, a carta chama a atenção para as “pechas” e “imperfeições” das regras actuais — uma posição que vai de encontro às críticas levantadas pela França.

Porém, e ao contrário de Macron, estes seis países não vêem razão para adiar por muito mais tempo a decisão de abertura das negociações formais para a entrada da Macedónia do Norte e da Albânia no clube, um processo que é complexo e fastidioso e pode prolongar-se por vários anos.

“Reconhecemos que o actual processo de alargamento aos Balcãs Ocidentais tem vindo a progredir de forma lenta e desigual”, escrevem os ministros, referindo-se ao objectivo (e estratégia) de longo prazo de Bruxelas de acolher os países que saíram da antiga Jugoslávia e aspiram à integração no espaço europeu.

Sérvia, Montenegro, Kosovo e Bósnia Herzegovina encontram-se ainda numa fase preliminar do “ajustamento” da sua administração e legislação aos standards da União Europeia. Mas a Albânia e, especialmente, a Macedónia do Norte, registaram já progressos suficientes na sua aproximação ao chamado “acervo” comunitário para justificar uma recomendação da Comissão Europeia para a abertura das negociações.

“Estamos disponíveis para o diálogo, num esforço construtivo para melhorar este processo. Esperamos que dessa forma a União Europeia possa encontrar um consenso para a abertura das negociações para a adesão da Albânia e da Macedónia do Norte em Março de 2020”, lê-se na carta enviada pelo grupo de ministros a Juncker.

Questionada sobre a reacção do presidente da Comissão Europeia à missiva, a sua porta-voz, Mina Andreeva, esclareceu que “nada mudou” na sua posição relativamente ao arranque do processo negocial para a adesão da Macedónia do Norte e da Albânia, travado pelo Presidente francês na última cimeira de líderes europeus de Outubro. O “veto” francês foi criticado por Jean-Claude Juncker como “um erro histórico”, que pode motivar as lideranças políticas da região a procurar alianças com outros actores internacionais apostados em expandir a sua influência, nomeadamente a Rússia e a China.

Sobre a sugestão deixada pelos seis ministros de uma revisão da metodologia do alargamento, a porta-voz disse que o executivo comunitário “aguardará para ver se há alguma decisão formal do Conselho Europeu” nesse sentido, acrescentando que “não há, por enquanto, nenhum pedido”.

Na sua carta, os ministros apelam à Comissão que avance propostas que melhorem a “eficácia dos procedimentos de adesão” até Janeiro de 2020, sem contudo oferecer muitas pistas sobre as mudanças que preconizam para que o processo “se torne um instrumento de apoio às reformas e aos esforços de integração na região dos Balcãs. “Não há nenhuma outra alternativa viável à integração dos países dos Balcãs Ocidentais para a União Europeia salvaguardar os seus interesses na região”, entendem os seis signatários.

A iniciativa ministerial foi interpretada como uma espécie de direito de resposta diplomática a um documento informal de duas páginas e meia (um chamado non-paper) posto a circular pela França com as ideias de Macron para a reforma dos procedimentos estabelecidos para as negociações de adesão, durante as quais os candidatos têm de ajustar a sua legislação ao acervo comunitário, o corpo de leis e regulamentos europeus que está dividido em 35 capítulos temáticos. Actualmente, esse “ajustamento” não tem de seguir um encadeamento nem de respeitar um prazo específico: quando se comprova o alinhamento do país com as normas europeias, é assinado um tratado de adesão que consagra a sua entrada no clube.

O Presidente francês desenhou um “roteiro” em que os países candidatos têm de ultrapassar uma sucessão de sete etapas distintas, cada uma das quais com condições estritas de convergência e uma espécie de cláusula de “reversibilidade”. Como incentivo, o cumprimento de cada etapa abriria a porta ao financiamento comunitário ou à participação em determinados programas reservados aos Estados membros.

“É agora claro que há mais países — nomeadamente os seis que subscreveram esta carta — a sustentar que se devem prosseguir os esforços, em colaboração com a Comissão, para tornar o processo [de alargamento] mais eficiente”, apontou a ministra francesa dos Assuntos Europeus, Amelie de Montchalin.

Em fim de mandato, já não caberá à Comissão Juncker atender aos pedidos dos Estados-membros. Vai ser o próximo comissário europeu para a Vizinhança e Alargamento, Olivér Várhelyi, quem terá de negociar eventuais mudanças na forma como os países candidatos serão avaliados. Na sua audição perante o Parlamento Europeu, o húngaro não se referiu a eventuais revisões de procedimentos, apenas notou que a Comissão tem uma estratégia e critérios definidos para a integração dos países Balcãs, que devem ser respeitados para não pôr em causa “a credibilidade da UE”.

Também prestes a terminar, a presidência finlandesa da União Europeia espera ainda conseguir retomar a discussão política entre os líderes no próximo Conselho de Dezembro, em vez de deixar o assunto pendente até à cimeira informal entre a União Europeia e os Balcãs Ocidentais, agendada para Maio de 2020, em Zagreb.

Em declarações ao PÚBLICO, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, Pekka Haavisto, não escondeu o seu desapontamento por não ter sido aberta a porta à entrada da Macedónia do Norte e Albânia em Outubro, como previsto. Mas garantiu que o seu país continua a “dar passos” para manter o alargamento na agenda e assegurar que “o processo não é esquecido” ou relegado para segundo plano ou para as calendas.

“A Europa fez muito, após o desmembramento da Jugoslávia e as guerras, mas talvez depois disso tenha perdido um pouco a perspectiva da região. Mas olhando para o mapa, percebe-se facilmente que os Balcãs são uma parte integral da Europa e é tempo de voltar a prestar atenção, até porque outros actores estão muito interventivos”, observou. O alerta de Haavisto é muito claro: “Se perdemos agora os Balcãs, corremos o risco de mais conflito na região.”

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