Netanyahu acusado de corrupção e fraude numa decisão histórica da Justiça israelita
O primeiro-ministro de Israel nega as acusações e recusa demitir-se. Pede que “se investigue os investigadores”. É um processo inédito contra um chefe de governo do Estado enquanto está em exercício.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, foi acusado em três processos por corrupção, fraude e abuso de confiança. É a primeira vez que é feita uma acusação formal por estes crimes a um primeiro-ministro em funções na História de Israel. “É um dia difícil e triste”, disse o procurador Avichai Mandelblit. “Para mim e para o país. Mas é um dia importante: é isto que quer dizer ser um Estado democrático”, declarou.
Num dos casos, o primeiro-ministro é acusado de corrupção, fraude e abuso de confiança por favorecimento a um grupo de telecomunicações detentor de um site que lhe terá dado cobertura noticiosa favorável (o antigo empresário da empresa Bezeq e do site Walla, que também é acusado).
No segundo caso, é acusado de fraude e abuso de confiança: terá aceitado presentes de empresários em troca de favores políticos.
No terceiro, é acusado de novo por fraude e abuso de confiança: por suspeita de ter prejudicado a concorrência de um jornal que lhe deu boa cobertura noticiosa, o diário de grande circulação Yediot Ahronot, cujo publisher é também acusado, explica o diário Haaretz.
A decisão não foi fácil, disse Mandelblit. O jornalista do Jerusalem Post Yonah Jeremy Bob fazia um reparo no Twitter, de alguém que conhece o procurador há anos: “A sua linguagem corporal mostrou que é grande fã de “Bibi”, que não queria fazer isto, e estava quase em luto pessoal por sentir que tinha de o fazer”.
O procurador declarou que a sua decisão “não foi uma escolha”, mas sim “um dever e responsabilidade profissional”. Mandelblit fez parte de um Governo de Netanyahu (2013-16) e “Bibi” apoiou-o na sua candidatura ao cargo que agora ocupa.
"Interesses estrangeiros"
“Tenho de dizer que respeito as autoridades judiciais em Israel”, disse Netanyahu, reagindo à acusação. “Mas é preciso ser cego para não ver que aconteceu alguma coisa má. Estamos a ver uma tentativa de levar a cabo uma revolução por via legal. É um processo manchado por interesses estrangeiros que tentam derrubar um primeiro-ministro de direita”, acusou, pedindo “uma comissão que investigue os investigadores deste processo envenenado”.
O anúncio segue-se a três anos de investigações, e é a versão mais penalizadora para Netanyahu: o procurador acusou-o de todos os crimes sugeridos. Surge numa altura muito particular para a política israelita, em que os políticos não conseguem chegar a acordo para uma coligação governativa maioritária após duas eleições, uma em Abril e outra em Setembro, e a hipótese de uma terceira eleição surge como muito provável.
Um dos entraves a um governo de unidade nacional que incluísse os dois principais partidos, o Likud de Netanyahu, e o Azul e Branco de Benny Gantz, era precisamente a possibilidade de Netanyahu ser acusado; Gantz sempre disse que não participaria num governo de unidade com Netanyahu enquanto este tivesse a acusação de corrupção pendente sobre si.
Legalmente, o primeiro-ministro não tem de se demitir após ser acusado, apenas depois de ser condenado. Normalmente, a pressão pública é suficiente: o anterior chefe de Governo acusado por corrupção, Ehud Olmert demitiu-se quando veio a público um escândalo de corrupção em que esteve envolvido enquanto presidente da câmara de Jerusalém. Foi acusado e depois condenado a seis anos de prisão.
Consequências políticas?
Netanyahu tem optado por apresentar as acusações como tendo motivações políticas, dizendo que se trata de um “golpe” ou uma “caça às bruxas”, acusando os media que têm reportado sobre o caso de o quererem afastar da chefia do Governo. Até agora, o seu partido tem-no apoiado, mas é difícil ver que continue a fazê-lo depois de uma acusação destas. Ainda havia quem prevesse que o procurador-geral podia escolher acusá-lo por um dos crimes menores e não por corrupção, o que seria menos danoso também politicamente.
As penas máximas para corrupção são de dez anos de prisão, enquanto fraude e abuso de confiança são punidas com um máximo de três anos de prisão.
Uma sondagem do mês passado do Israel Democracy Institute dizia que 53,5% dos israelitas achavam que Netanyahu se devia demitir imediatamente após uma acusação. Mas ninguém espera que isso aconteça: Anshell Pfeffer, jornalista do Haaretz e biógrafo de Netanyahu, diz que o primeiro-ministro vai “lutar com unhas e dentes para ter imunidade, para deslegitimar o sistema judicial e, claro, para se manter no cargo”.
Agora Israel encontra-se numa situação absolutamente inédita: após duas eleições num ano, os líderes dos partidos mais votados – Netanyahu e Gantz – não conseguiram formar governo. Na quarta-feira, o mandato para formar Governo passou para o Parlamento: abriu-se um período de 21 dias em que os deputados podem escolher e votar num candidato a primeiro-ministro e dar-lhe o seu apoio para um governo, um expediente da lei eleitoral que nunca foi posto em prática. A acusação contra Netanyahu é o segundo acontecimento inédito em dois dias no país.
Questionada no Twitter sobre as consequências da acusação para o imbróglio político e a possibilidade de uma terceira eleição, a jornalista de política do Jerusalem Post Lahav Harkov disse apenas: “Não é claro".