Governo recebe polícias e GNR dias antes de manifestação
A falta de resposta do executivo às reivindicações de agentes e militares tirou capacidade aos sindicatos ou associações e criou uma estrutra sem rosto — Movimento Zero — que se associou ao protesto de dia 21.
A uma semana da manifestação, junto à Assembleia da República, de agentes da PSP e de militares da GNR, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, reúne-se esta quinta-feira com a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP). Na próxima segunda-feira é a vez de receber a Associação dos Profissionais da Guarda Nacional Republicana (APG), a escassos três dias de uma acção de protesto que os convocantes antevêem já como um sucesso.
“Há uma grande mobilização, ainda antes de avançarmos com as plataformas para os autocarros nas capitais de distrito já havia meios de transporte fretados em várias cidades”, afirma, ao PÚBLICO, César Nogueira, da APG. Foi há mais de dois anos, com Constança Urbano de Sousa como titular do MAI, que esta associação viu cumprida uma das suas reivindicações de sempre, quando o horário semanal de 40 horas entrou em vigor na GNR. Ainda que a aplicação da medida esteja ao sabor dos créditos de horas.
É mais longínqua a memória de satisfação na associação mais representativa dos agentes da PSP. O progressivo aumento do suplemento de fardamento data dos tempos de Rui Pereira à frente da Administração Interna, nos governos de Sócrates, portanto, há mais de uma década. São estas as contas de Paulo Rodrigues, da ASPP.
Pelo que, estas reuniões com o ministro Eduardo Cabrita são encaradas como gesto protocolar, o de assinalar o início em funções de uma nova equipa no MAI. Até porque, na PSP, os agentes ainda esperam pelo pagamento dos suplementos de férias, reintroduzidos no início do ano sem os retroactivos a 2011. E os militares da GNR, entre outros pontos, contestam a discriminação face às carreiras gerais e às dos colegas da polícia.
César Nogueira não tem expectativas. “Sou um eterno céptico, houve promessas que ficaram por cumprir, como o estatuto remuneratório”, justifica. “O Governo olha para a polícia como um mau investimento, apesar de utilizar o nosso trabalho como garantia para o cartão-de-visita de um país seguro”, lamenta Paulo Rodrigues.
No entanto, a manifestação da próxima semana trouxe para a ribalta o deve e haver para com as forças de segurança. O dia 21 de Novembro foi uma opção simbólica: em idêntica data de 2013, quando pela primeira vez PSP e GNR saíram em conjunto à rua num protesto contra os cortes em tempo de troika do Orçamento de Estado para 2014, com o apoio da CGTP, cujo secretário-geral, Arménio Carlos, esteve presente.
Então, manifestantes furaram o cordão policial que os impedia percorrer a escadaria de acesso à Assembleia da República. Menos de quatro meses depois, em nova manifestação, um grupo de guardas prisionais radicalizados entrou em confronto com a Polícia de Intervenção e ocupou metade daquelas escadas. A refrega fez dez feridos.
A prevenção de incidentes para a semana levou à mobilização de muitos efectivos e à escolha de grades e de blocos de cimento para travar acessos. As forças de segurança temem atitudes descontroladas e receiam o Movimento Zero que aderiu à manifestação. Há escassos dias foi posta a circular a informação de que os agentes do Corpo de Intervenção da PSP teriam admitido que não travariam o acesso dos manifestantes às escadarias do Parlamento. Ou seja, que estaria iminente uma invasão.
Sem armas, sem álcool
Foi em 12 de Julho, em Lisboa, que o Movimento Zero, nascido em esquadras da periferia de Lisboa e também bem implantado no Porto e Braga, apareceu pela primeira vez. Na cerimónia de aniversário da PSP vestindo t-shirts brancas voltaram as costas quando o director-nacional da PSP começou a discursar.
Os seus membros comunicam nas redes sociais e, por isso, é um movimento sem rosto que acusa os sindicatos e as associações de fraqueza. Os seus posts referem as injustiças de que são alvo os quem combatem a criminalidade e relatam um país vergado à marginalidade, num guião securitário de extrema-direita.
“O Movimento Zero é um caminho perigoso, é uma chapada de luva branca à forma como os governos têm tratado os polícias”, considerou Paulo Rodrigues, em declarações à Lusa, em 21 de Agosto. “A falta de resposta do Governo tirou capacidade às associações e sindicatos”, corrobora um especialista que solicitou o anonimato.
“É muito grande o risco de um movimento sem rosto ser manipulado, há civis de vários quadrantes e sectores que querem participar, mas vamos estar atentos aos grupos que vão lá para desestabilizar”, adverte César Nogueira.
“Há muitos profissionais de segurança que se revêem no Chega, mas é perigoso que nos queiram conotar com um partido, olhamos para todos os que nos ajudem a chegar ao que pretendemos”, assegura o dirigente da APG. Pelo que, como em anteriores manifestações, é previsível que deputados de vários partidos se aproximem da cabeça do desfile à sua chegada a São Bento.
“O discurso preocupante nas forças de segurança é o de que os sindicatos são todos iguais, que os partidos são todos iguais, de que há que lá meter quem fale como nós”, acentua um perito em segurança. “Fazem uma crítica destrutiva à moderação dos sindicatos”, sublinha.
Na sua página em Facebook, o Movimento Zero elenca normas de conduta para a manifestação que não convocou, mas apoia. Diz que não é tolerável portar qualquer tipo de arma, objectos ou cartazes alusivos a políticas partidárias ou ideológicas e encontrar-se sob o efeito do álcool. “Quem não respeitar os alertas aqui mencionados deve ser chamado à razão (…) ficando sujeito a um “convite” para abandono da manifestação se continuar com o mesmo comportamento”, prescreve.