Nasci cega, feliz ou infelizmente. Não penso muito nisso. Limito-me a aceitar que é assim e não sei viver de outra forma.
Perguntam-me muitas vezes se gostava de ver e eu respondo que sim, claro, mas que não é uma prioridade. E as pessoas ficam a pensar que eu sou mal-agradecida. Mas não. Eu vivo bem assim. Talvez porque não conheça outra realidade, é verdade. Da mesma forma que muitos de vós não gostaríeis de experimentar serem cegos, nem que fosse por um curtíssimo período. Não há realidades melhores ou piores. Há realidades com características diferentes e cabe-nos a nós aceitá-las e adaptá-las ao nosso estilo de vida, aos nossos gostos e hobbies.
Se calhar, pensam que estou a tentar pintar de cor-de-rosa isto da cegueira, mas eu acredito genuinamente que qualquer pessoa, devidamente orientada e apoiada, pode ser feliz com a sua realidade. Uma pessoa de cadeira de rodas não é menos feliz por não conseguir correr uma maratona porque se calhar consegue ser campeã de boccia. Um surdo não é menos feliz por não poder relaxar com uma música ao fim do dia porque pode sentar-se e relaxar a olhar para o mar e a natureza. Um cego não é menos feliz por não poder apreciar as ondas do mar e a natureza porque pode apreciar uma boa música.
Cabe ao indivíduo conseguir realizar-se e à sociedade proporcionar, não as mesmas oportunidades, mas oportunidades singulares e únicas para todos, de acordo com as características de cada um, assegurando, claro, os direitos fundamentais.
Só assim, a meu ver, se poderá falar de inclusão. Uma sociedade inclusiva não faz dos deficientes heróis. Não torna algo banal em algo extraordinário; não se louva aquilo que é (ou devia ser) natural. Numa sociedade inclusiva, um paraplégico não tem que calcular, milímetro a milímetro, os seus dias, de modo a perceber exactamente que locais é que vão estar adaptados à sua deslocação. Não se priva alunos de ter acesso aos materiais de que necessitam a tempo útil (posso dizer que, em 12 anos de escolaridade obrigatória, não houve um ano em que tivesse os manuais todos — e isto é o básico).
Pode-se legislar muita coisa. Podem-se criar decretos-lei sobre a educação inclusiva, com palavras caras que nenhum leigo compreende, mas que, bem espremidos, dizem aquilo que todos já sabem mas pouco fazem por mudar. Podem fazer-se mil conferências, dez mil palestras. Se ajuda? Talvez. Mas o principal, criar uma sociedade verdadeiramente inclusiva, em que estas questões sejam um não-assunto, quase ninguém faz. Envolvam os deficientes. Perguntem-lhes o que precisam, o que está bem, o que não está. E, acima de tudo, façam-no para mudar, não para ficarem com o rótulo e andar a exibi-lo.
Indubitavelmente, estamos melhor que há 50 anos, quando os deficientes nem à escola iam. E, evidentemente, isso é bom. Mas daí a chamarem-lhe sociedade inclusiva? É um pouco irreal, no mínimo. No máximo, é ridículo.