Mais de 30% dos portugueses não vão ao dentista ou só vão em caso de urgência

O Barómetro da Saúde Oral faz um retrato do estado da dentição dos portugueses e indica que cerca de 10% não tem qualquer dente — mas cada vez têm mais opções de dentes substitutos, sublinha o relatório.

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NELSON GARRIDO / PUBLICO

Mais de 30% dos portugueses não vão ao dentista ou só o fazem em caso de urgência e quase 10% não tem qualquer dente, segundo o Barómetro da Saúde Oral de 2019. De acordo com os dados a que a Lusa teve acesso, há 6,8% de portugueses que nunca vão a consultas de medicina dentária e 24,8% que só vão em caso de urgência, dados que se têm mantido inalterados desde que o barómetro começou a ser feito, em 2014.

Segundo o barómetro, que vai ser apresentado na sexta-feira no Congresso da Ordem dos Médicos Dentistas, dos que nunca vão ao dentista ou só vão em caso de necessidade, mais de um em cada cinco (22,8%) alega não ter capacidade financeira, um valor que, contudo, baixou relativamente ao ano passado.

Dos inquiridos, 87,4% disseram ter mantido o número de idas ao dentista em 8,4% dos casos aumentaram. Apenas 4,1% revelaram ter diminuído a frequência destas consultas, um valor que baixou face ao ano passado (7,2%).

Mais de um em cada três portugueses (35,7%) não vai ao dentista há mais de um ano e mais de metade nunca mudou de médico dentista.

“Ainda que os resultados mostrem que os portugueses estão a ir ao médico dentista com maior regularidade, não são novos doentes, são doentes habituais que aumentaram a regularidade das visitas aos consultórios de medicina dentária”, refere o barómetro. O documento diz ainda que este aumento “pode ser explicado pela subida de pacientes com seguros ou planos de saúde”, que em 2014 eram apenas 4% e agora já chegam aos 15%.

Se quando o barómetro começou a ser elaborado quase três em cada quatro (72%) dos inquiridos consideravam a medicina dentária uma área mais cara do que as outras áreas da saúde, nesta edição o número caiu para pouco mais de metade (54%).

O número de portugueses com a dentição completa mantém-se à volta dos 31%, assim como o de portugueses com falta de todos os dentes (10%). Contudo, apesar de o número de portugueses sem dentes naturais se manter em linha com as edições anteriores do barómetro, hoje “já existe maior probabilidade de terem dentes substitutos”, sublinha o documento. Quase metade (48,6%) dos portugueses com falta de dentes naturais não tem dentes de substituição, quando em 2014 este valor era de 56,1%.

O Barómetro da Saúde Oral 2019 mostra ainda que 27,8% dos portugueses com mais de seis dentes em falta não têm nada a substituí-los.

Segundo o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, “existe hoje uma maior preocupação dos portugueses com a saúde oral, mas há uma percentagem elevada de pessoas que continuam longe dos consultórios de medicina dentária e a probabilidade de serem estas a quem mais faltam dentes naturais sem nada terem a substituir é muito grande”. “São estas pessoas, por regra com menos recursos e informação, as mais vulneráveis e as que mais precisam de resposta urgente por parte do Ministério da Saúde”, sublinha.

O bastonário lembra que “há 59% de portugueses que não sabem que o Serviço Nacional de Saúde disponibiliza a área de medicina dentária”, um valor que tem vindo a cair face a edições anteriores do barómetro. Apesar disso, o responsável considera “essencial que haja uma maior divulgação das consultas de medicina dentária nos centros de saúde e que os médicos de família indiquem os doentes em condições de aceder a essas consultas”.

O barómetro deste ano permitiu ainda perceber que nem todos os portugueses escovam os dentes duas vezes por dia, como recomendam as boas práticas da saúde oral, pois apenas 77,6% afirmam cumprir esta indicação. “Continua a ser notória a maior implementação destes hábitos nas mulheres”, indica o documento.

Embora a maioria dos portugueses escove os dentes pelo menos duas vezes por dia, o uso do fio dentário e de elixir ainda não estão tão enraizados nos seus hábitos. São apenas 3,7% os que usam o fio dentário duas vezes por dia e 19,7% usa menos de uma vez por semana. Já o elixir é usado duas vezes por dia por 6,5% dos que escovam os dentes segundo as boas práticas da saúde oral, enquanto 26,7% o usa menos de uma vez por semana.

Para os inquiridos pelo barómetro, grávidas, diabéticos e portadores de doenças cardíacas ou respiratórias deveriam ter acesso mais facilitado a cuidados de medicina dentária, por necessitarem de acompanhamento redobrado.

Bastonário diz que ainda há muito a fazer

O bastonário da Ordem dos Dentistas reconhece que melhorou o acesso da população aos cuidados de saúde oral, mas diz que ainda há um caminho a fazer, concretizando o alargamento dos cheques-dentista às crianças a partir dos dois anos.

“Há uma melhoria na acessibilidade da população aos cuidados de medicina dentária. A responsabilidade diria que também resulta do projecto de inserção da medicina dentária em centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (...), mas há um longo caminho a percorrer porque há ainda cerca de 30% da população que não tem acesso a cuidados de saúde oral”, afirmou Orlando Monteiro da Silva.

O bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas considera de importância fundamental avançar com a medida anunciada de alargar o programa dos cheques-dentista às crianças a partir dos dois anos, frisando que se verificou que “são muito as crianças, por via das famílias, que têm dificuldade no acesso a cuidados de saúde oral e medicina dentária”.

“Assiste ao Estado uma responsabilidade na divulgação e publicitação institucional desta medida e na publicitação da utilização do cheque-dentista porque vemos noticias de que os vouchers não são utilizados e isso — e sei do que falo — não é de certeza porque as pessoas não necessitem ou não procurem, é sim por motivos de organização ou por serem distribuídos num tempo que não é adequado”, defendeu.

Segundo o Barómetro da Saúde Oral 2019, hoje divulgado, 67,7% dos menores de seis anos nunca visitam o médico dentista, uma situação que o bastonário espera que “mude radicalmente” com o alargamento do programa. “Há um percurso a fazer com verdadeiros seguros de saúde, e não planos de saúde, como por vezes se ouve falar, pois esses planos de pouco ou nada servem”, acrescentou.

Na semana passada, a Direcção-Geral da Saúde reconheceu que as famílias com crianças com menos de 7 anos já não conseguem obter cheques-dentista porque esgotou o plafond de 28 mil vales autorizados para este ano. A este respeito, o bastonário afirmou: “Não é admissível que crianças que têm dores, infecção, que estão a faltar a escola, que se estão a alimentar mal ou que estão a perder peso por via de problemas ligados à saúde oral não tenham resposta adequada. Temos de assegurar que estas crianças tenham a devida resposta”.

Questionado sobre a entrada em funcionamento do alargamento do programa dos cheques-dentista às crianças a partir dos dois anos, Orlando Monteiro da Silva respondeu: “Esperemos que o secretário de Estado António Sales, que vai ao congresso dos médicos dentistas, possa na altura anunciar (...) em concreto quando é que as crianças portuguesas podem começar a ter acesso a esta medida. É urgente que tal aconteça”.