Os quatro “melhores paladinos” do anarquismo em Portugal
Livro Quatro Itinerários Anarquistas – Botelho, Quintal, Santana e Aquino conta as histórias de Adriano Botelho, Francisco Quintal, Emídio Santana e Acácio Tomás de Aquino.
O académico João Freire reuniu em livro o retrato biográfico de Adriano Botelho, Francisco Quintal, Emídio Santana e Acácio Tomás de Aquino, que classifica de quatro “dos melhores paladinos” do anarquismo em Portugal.
O livro Quatro Itinerários Anarquistas – Botelho, Quintal, Santana e Aquino, publicado no contexto do centenário da fundação do jornal A Batalha, que o edita, traça o percurso de quatro homens que “representam bastante bem as variedades de posicionamento dentro do espectro libertário-anarquista português” do período entre a Primeira República e o pós-25 de Abril, disse à Lusa o sociólogo João Freire, professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).
A obra é apresentada esta terça-feira, às 18h, por José Pacheco Pereira, no auditório da Biblioteca Nacional, em Lisboa, onde está patente uma exposição sobre o centenário da fundação do jornal A Batalha e os 45 anos da revista A Ideia.
Para além do autor do atentado contra Salazar em 1937, Emídio Santana, o livro lembra Adriano Botelho, autor de Da Conquista do Poder, Francisco Quintal, um dos promotores da Federação Anarquista Ibérica, e Acácio Tomás Aquino, um dos primeiros prisioneiros do campo de concentração do Tarrafal, associado à organização da greve na Marinha Grande, em Janeiro de 1934.
João Freire explicou que as escolhas, para além de pretenderem demonstrar a diversidade do pensamento anarquista, prenderam-se com o facto de todos eles terem deixado memórias escritas e de o próprio autor ter convivido com os quatro.
O primeiro dos biografados, Adriano Botelho, foi membro do comité dirigente da Confederação Geral do Trabalho (CGT), de onde não saiu “até à exaustão desta estrutura, por inanição, na década de 1960”, e viu o 25 de Abril com 81 anos, tendo contribuído para o jornal Voz Anarquista, de Almada, entre 1976 e 1983.
Francisco Quintal, nascido no Funchal, em 1898, foi, “provavelmente, o principal dinamizador da acção” da União Anarquista Portuguesa entre 1923 e 1927, “ajudando à criação de novos grupos e às suas ligações mútuas”. Em 1927 é preso e considerado pela polícia como “chefe dos elementos avançados anarquista em Portugal”, o que fez com que tivesse sido deportado para Angola, “sem julgamento ou outras formalidades susceptíveis de permitirem uma defesa jurídica”.
No seu testamento, citado por João Freire, Quintal salienta que “o Ideal Libertário ou anarquista foi desde a sua juventude um sonho inigualável que sempre procurou respeitar, e como tal [manteve] sempre o [seu] ateísmo, o qual abraça todos os pretensos deuses com que a humanidade se enfeita: os deuses religiosos, os deuses políticos, os deuses económicos”.
Luta armada, luta intelectual
O nome de Emídio Santana será o mais conhecido dos quatro, por se tratar do autor do atentado falhado contra António de Oliveira Salazar, em 4 de Julho de 1937 (dia de aniversário do próprio Santana).
“Por mero circunstancialismo, o seu objectivo não foi logrado. Mas como disso estava o seu autor serenamente consciente, esperavam-no 16 anos de prisão penitenciária, cumpridos quase todos no estabelecimento de Coimbra”, refere João Freire, que salienta que o segundo filho de Santana nasceu – e cresceu – durante esse período.
Aquando do 25 de Abril de 1974, Santana relança A Batalha (fechado à força pela ditadura em 1927), para o qual “mobilizou e convocou todos os velhos militantes anarco-sindicalistas ainda vivos, pela mão de Lígia de Oliveira despachou algumas cartas para o estrangeiro, deu entrevistas para os jornais e outros meios de comunicação social e activou os contactos com personalidades já suas conhecidas dos meios da oposição política ao salazarismo”.
Já Acácio Tomás de Aquino, nascido em 1899, em Lisboa, cedo se envolve na actividade sindical e participa em várias iniciativas culturais. Preso em 1933, é interrogado, torturado e acaba condenado a 12 anos de degredo, que cumpre primeiro na Fortaleza de S. João Baptista, nos Açores, e mais tarde no Tarrafal, em Cabo Verde, de onde regressa a Lisboa em 1949.
Depois do fim do Estado Novo, “reactiva” a sua actividade militante, quer através do trabalho para A Batalha, quer na União dos Resistentes Antifascistas Portugueses ou na Federação Anarquista Região Portuguesa, bem como “no cumprimento da promessa que haviam feito no Tarrafal de repatriarem os restos mortais dos 32 companheiros aí tombados”.
Embora lutassem sob um ideal partilhado, os quatro representavam em si as diferenças existentes no meio, por alturas do pós-II Guerra Mundial, como indica João Freire: “Perante o prolongamento da ditadura, os traumas da guerra de Espanha, as tragédias do conflito agónico mundial (terminado da maneira “atómica” que se conhece) e os dilemas da “guerra fria” que estava então em gestação, os anarquistas portugueses encontram-se profundamente divididos, e não apenas no plano táctico ou organizativo, mas, mais fundo, quanto à orientação estratégica que deveriam seguir”.
O que aconteceu ao anarquismo?
Questionado sobre o desaparecimento do anarquismo enquanto movimento político em Portugal, João Freire responde em dois níveis: “Há razões de grande contexto por um lado e outras mais sociológicas, se quiser”.
Por um lado, “perdeu-se a transmissão directa, pessoa, boca-a-boca” que tão importante era para a passagem de testemunhos e ideais, sendo substituída por formas de comunicação mais instantâneas e efémeras.
“Depois, num sentido mais amplo, julgo que algumas características próprias do pensamento anarquista, que é oitocentista, não conseguiram responder às grandes mudanças verificadas no plano mundial, nomeadamente depois da Segunda Guerra Mundial. Julgo que depois do fim da Guerra Civil em Espanha o que existe é um movimento anarquista que vai sempre enfraquecendo, perdendo pilares de sustentação e referências políticas”, disse João Freire.