Lula da Silva sai da prisão para liderar a oposição a Bolsonaro

Ao fim de 580 dias, Lula da Silva saiu da prisão. A libertação do ex-Presidente vai mudar profundamente o panorama político brasileiro nos próximos tempos.

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Apoiantes de Lula perto da sede da PF em Curitiba à espera da sua saída Reuters/RODOLFO BUHRER
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Ao fim de 580 dias na prisão, Lula da Silva voltou a ser um homem livre. O juiz responsável pela execução da pena aceitou o pedido da defesa, depois da sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) na véspera, que anulou a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Abre-se um novo capítulo na política brasileira.

Em Curitiba, onde Lula está preso desde Abril de 2018, o dia foi de intensa expectativa. Centenas de pessoas concentraram-se perto do edifício da Polícia Federal à espera do aguardado momento. A defesa do ex-Presidente apresentou o pedido para a sua libertação logo de manhã. Durante a tarde (início da noite em Portugal continental), começavam a ser postas grades perto do local e foi montado um pequeno palco, antecipando a saída de Lula que estava a uma assinatura de distância.

Depois de se reunir com o ex-Presidente, o advogado Cristiano Zanin disse que, à luz do novo entendimento do STF, “o seu encarceramento não está fundamentado em nenhuma das hipóteses previstas” pelo Código Penal. A juíza responsável pela execução da pena, Carolina Lebbos, está de férias, segundo o jornal O Globo, portanto foi o juiz Danilo Pereira Júnior a confirmar a libertação de Lula.

A iminente libertação de Lula da Silva, ao fim de 580 dias de prisão, introduz uma mudança profunda no cenário político brasileiro. Desde que o ex-Presidente foi detido, a 7 de Abril do ano passado, que o Partido dos Trabalhadores (PT) ficou refém da bandeira “Lula livre”. “No momento em que o PT não está mais limitado à pauta do ‘Lula livre’, vai ter que ter outro tipo de actuação da que teve até agora”, diz ao PÚBLICO por telefone o presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planeamento (Cebrap), Marcos Nobre.

Os próximos tempos serão uma espécie de recomeçar do zero para o PT, que desde a prisão de Lula tem estado ausente dos principais debates nacionais. “Não existe outra possibilidade para o partido se colocar no cenário institucional a não ser como partido de oposição que vai apresentar um programa e uma alternativa ao Governo [de Jair] Bolsonaro”, diz Nobre. Estava previsto que Lula fizesse um discurso assim que saísse da prisão, ainda em Curitiba, perante os seus apoiantes e depois que se dirigisse para o sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nos arredores de São Paulo, o mesmo local onde mais de um ano e meio antes se entregou à polícia.

Mesmo fora da prisão, Lula continua impedido de concorrer a cargos públicos em virtude da Lei da Ficha Limpa, que proíbe condenados em segunda instância de se apresentarem a eleições. Há alguns meses, a defesa apresentou ao STF um pedido de suspeição a visar Moro que, se for aceite, poderá então anular a condenação inicial.

Mas se a saída de Lula da prisão vai dar um novo impulso à esquerda, paradoxalmente também irá fu ncionar como um farol para nortear os sectores que apoiam Bolsonaro. “Para Bolsonaro manter a base de apoio que tem, encontrar um inimigo como o Lula fora da prisão é ideal”, sustenta o filósofo. Geralmente rápido a reagir a qualquer notícia, o Presidente brasileiro permaneceu em silêncio sobre a sentença do STF durante todo o dia.

Mudanças no STF

Desde 2016 que o entendimento prevalecente na jurisprudência brasileira era de que condenados por um tribunal de segunda instância poderiam ser presos de imediato sem necessidade de se aguardar por mais recursos. Esta interpretação baseava-se na convicção de que frequentemente os acusados mais ricos e poderosos apresentavam recursos com o único objectivo de evitar a prisão e esperar que o processo prescrevesse.

A interpretação foi sempre muito controversa, uma vez que punha em causa princípios penais como a prisão após trânsito em julgado, ou seja, até que sejam esgotadas todas as possibilidades de recurso da sentença. Por diversas vezes o STF adiou pronunciar-se sobre o tema alimentando as críticas de que os seus elementos decidem de acordo com os humores da opinião pública.

O julgamento sobre a constitucionalidade da prisão após segunda instância arrastou-se ao longo de cinco sessões e chegou empatado (5-5) ao momento em que o presidente do STF, Dias Toffoli, se devia posicionar. No chamado “voto de minerva”, Toffoli desempatou quando já passava da meia-noite em Portugal continental.

A decisão do STF pode, em princípio, afectar a prisão de quase cinco mil detidos em todo o país, de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça. A Operação Lava-Jato, que tinha na prisão após segunda instância um importante trunfo, sofre um forte abalo, uma vez que 38 condenados poderão vir a ser soltos, incluindo Lula da Silva.

Os procuradores à frente da operação criticaram o posicionamento do STF, dizendo que “está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do país”. A Lava-Jato, que nos últimos anos se tornou num expoente máximo do combate à corrupção, confundindo-se muitas vezes com o juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, é hoje uma sombra desses tempos. As revelações das conversas que Moro manteve com procuradores puseram a nu os atropelos legais na condução das investigações.

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