Alemanha, um muro caiu e outro ergue-se
O que explica o sucesso da extrema-direita não é a situação económica, mas sim uma complexa conjuntura alimentada pelo medo do futuro e pela recusa da alteridade numa sociedade a fechar-se sobre si própria.
Trinta anos após a queda do Muro de Berlim, o que então era um sinal de abertura hoje é um sinal de fechamento, como disse ao PÚBLICO Jacques Rupnik. A utopia da economia de mercado, a imitação a leste do modelo ocidental, nem reinventou a economia nem a democracia. A Alemanha de 2019 está a perder os seus complexos quanto ao passado nazi. A Turíngia é o melhor exemplo. A Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguiu 23% dos votos nas eleições regionais do mês passado, graças a Björn Höcke, o mais radical dos seus dirigentes, e ultrapassou a CDU de Merkel.
Num estado onde o campo de concentração de Buchenwald se situa a pouca distância de Erfurt, a capital, sondagens revelam que 18% dos inquiridos consideram que o nazismo teve aspectos positivos e que 58% acredita que a imigração faz com que a Alemanha esteja a deixar de ser alemã. Desde 1949 que um partido parlamentar não desfilava ao lado de grupos neonazis. Mesmo assim, ou por causa disso mesmo, membros da CDU desafiam os valores da democracia cristã e admitem, sem o expressar directamente, a hipótese de aliança com a AfD.
Esta extrema-direita afirma-se como antidemocrata, antipluralista e recorre à violência e ao ódio para combater os seus adversários: Claudia Roth, vice-presidente do parlamento alemão, e Cem Özdemir, ex-líder dos ecologistas, foram alvo de ameaças de morte. Não faltam exemplos recentes para enquadrar este clima odioso: o ataque à sinagoga de Halle e o assassinato do político conservador Walter Lübcke, favorável ao acolhimento de refugiados, são elucidativos. O pensamento é simples e ameaça os partidos mais tradicionais: o Governo abriu as fronteiras aos refugiados, não protegeu os seus cidadãos e isso obriga a que estes se protejam e até façam justiça pelas suas próprias mãos.
A pragmática recepção de refugiados, que Merkel decidiu mais por razões demográficas e económicas do que por motivos humanistas, teve um efeito indesejado. O que explica o sucesso da AfD não é a situação económica, mas sim uma complexa conjuntura alimentada pelo medo do futuro e pela recusa da alteridade numa sociedade a fechar-se sobre si própria. Que isso seja mais natural a este do que a oeste é apenas o sintoma mais espontâneo de uma regressão democrática. Não era isso que esperávamos da Alemanha 30 anos depois. Não precisamos dos muros construídos pelo ódio, como se estivéssemos de novo perante a ameaça otomana. A ameaça está no meio de nós e está a crescer.