Segurança que canta e dança
Uma personagem e a sua décalage face ao Portugal deprimido da classe média, ao Portugal falsamente eufórico do turismo.
As personagens de João Nicolau têm tendência a usar o imaginário como porta de saída para um quotidiano demasiado falho de imaginação. E os filmes de João Nicolau têm tendência a recompensar as personagens, conferindo ao imaginário delas um poder efectivamente transformador. As fronteiras entre a realidade quotidiana e a imaginação dissolvem-se, esta última imiscui-se na primeira, ensopa-a, modifica-lhe os contornos, até que o todo o cenário se transfigure. Era assim no filme anterior, John From, centrado em miúdas adolescentes de Telheiras que sonhavam com o amor e com a Polinésia; continua a ser assim, tanto quanto possível (ou verificando se ainda é possível ser assim), em Technoboss, que segue uma personagem numa extremidade da vida oposta à das protagonistas de John From: um velho e solitário vendedor de sistemas de segurança, a aproximar-se da idade da reforma e um tanto desadaptado ao mundo circundante (incluindo o mundo dos “sistemas de segurança”), tão empenhado na profissão como pouco entusiasmado com ela, e cuja cabeça vagueia entre o amor e, se não a Polinésia, as canções que lhe surgem no espírito e na voz, sobretudo quando vai ao volante no trajecto entre a casa e as encomendas.
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