Desde que conseguiu a proeza de alcançar 1% dos votos, e, por conseguinte, ser eleito deputado da nação, o Dr. André Ventura tem andado nas bocas do mundo (algo que, como se sabe, o destacado académico, que prima pela discrição, enjeita com incómodo). Impõe-se, por isso, saber com mais algum detalhe e profundidade quem é e o que pensa ao certo o líder do Chega. Será que a densidade da personagem se esgota nas peixeiradas futebolísticas e nas enfáticas opiniões sobre os malvados ciganos? Para tal exercício, deixemos de lado, por um instante, a questão fundamental que se prende com a localização da cadeira onde o senhor deputado vai exercer as suas ilustres funções.
Na sua edição do passado dia 2 de Novembro, o Diário de Notícias apresentou um excelente trabalho onde analisa a tese de doutoramento em Direito de André Ventura, concluída em 2013, e que serve para confrontar as posições do André Ventura académico, sensato e humanista, com as do André Ventura político, radical e obscuro.
O primeiro arregaçava as mangas e defrontava o populismo penal que definia como “o processo pelo qual os políticos aproveitam, e usam para sua vantagem, aquilo que crêem ser a generalizada vontade de punição do público”, o segundo aposta em propostas refrescantes como a castração química de pedófilos. O primeiro insurgia-se contra a discriminação das minorias, o segundo acha que um dos grandes problemas do país são os subsídios pedinchados por meia dúzia de ciganos, que não deveriam tratar com tamanha ingratidão um povo que os acolhe e integra tão amigavelmente. O primeiro protestava contra a aplicação de políticas de imigração restritivas que, no rescaldo do 11 de Setembro, afectavam principalmente cidadãos muçulmanos, o segundo defende a redução drástica da presença islâmica na Europa.
Quais as razões para uma mudança tão drástica nas posições do Dr. Ventura? Confrontado com estas aparentes contradições no seu luminoso pensamento, o líder do Chega, imaginativo, soltou a seguinte pérola: “A minha tese é ciência, sempre distingui a parte opinativa da parte científica.” Para lá de tudo o resto, ficamos também a saber que o recém-eleito deputado não acha grave protagonizar uma linha política unicamente assente na opinião, na intuição ou no sofisticado “cheira-me que” e, por isso, avessa à realidade científica.
Mas nada disto preocupa André Ventura. Melhor, em tempos deve tê-lo preocupado, mas esses tempos já foram engolidos pela voraz passagem do tempo. Certamente embriagada pelo mediatismo desbragado que tudo o que gira à volta do futebol suscita, esta figura criada e alimentada por um conhecido canal de (des)informação e difamação, decidiu colocar de lado aquilo em que acredita, tendo em vista o alcance de um bem maior: protagonismo. Ao fazê-lo alcançou o seu objectivo, mas tendo-o alcançado as maravilhas do escrutínio jornalístico fizeram o resto e demonstraram a fraude que Ventura verdadeiramente é.