Piñera tenta acalmar protestos no Chile com aumento do salário mínimo
Presidente chileno admite discutir revisão constitucional, mas recusa demitir-se, apesar da sua popularidade ter descido para os 13%. Ministério Público acusa 14 agentes da polícia do crime de tortura.
O Presidente chileno, Sebastiãn Piñeira, assinou esta quarta-feira o projecto lei que aumenta o salário mínimo em 16,3%, medida incluída na agenda social que o seu Governo elaborou à pressa para tentar o acalmar mal-estar social reflectido nos protestos massivos que explodiram a 18 de Outubro por causa do aumento do preço do metro e ainda continuam.
“Estamos a responder com acções e não apenas com boas intenções ao que as pessoas têm exigido”, disse o chefe de Estado aos jornalistas no Palácio de La Moneda. Em entrevista à BBC, Piñera fez o mea culpa do seu Governo, mas estendeu as críticas a todos os executivos das últimas décadas por não terem escutado “com atenção suficiente” os alertas da sociedade.
“Ouvimos a voz do povo chileno. É por isso que construímos em quatro dias uma agenda social muito poderosa e forte que deverá contar com grande quantidade de recursos para acelerar o processo de melhoras”, explicou o chefe de Estado. Recusando qualquer possibilidade de se demitir (“claro que vou chegar ao fim do meu governo”), Piñera mostrou-se disponível, depois de posta em prática a agenda social e restaurada a ordem, para “conversar sobre tudo, incluindo uma revisão da Constituição”.
A primeira das medidas da agenda social é em tudo semelhante à adoptada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, no final do ano passado, para responder aos protestos dos “coletes amarelos”; no Chile, como em França, será o Estado a suportar a subida nos ordenados, não havendo qualquer encargo para as empresas. O Executivo chileno já reservou 190 mil milhões de pesos (229 milhões de euros) para fazer face à decisão de passar o salário mínimo de 306 mil pesos (368 euros) para 350 mil pesos (422 euros).
De acordo com uma sondagem da consultora Cadem, o Governo de Piñera tem uma taxa de aprovação de apenas 13%, com um nível de desaprovação altíssimo de 79%, o pior resultado de um Presidente desde o regresso da democracia ao Chile, em 1990. A que não é alheia a má gestão que fez da crise desde o princípio dos protestos, aparecendo rodeado de militares no seu primeiro discurso à nação, num tom bélico e ameaçador, a que juntou depois a declaração do estado de emergência e o envio de militares para as ruas.
De repente, os chilenos sentiram de novo o cheiro da ditadura de Augusto Pinochet no ar e saíram mais desafiadores ainda, bandeiras desfraldadas e canções de Victor Jara na ponta da língua. “Usar os militares penso que foi apressado e foi um erro”, dizia à BBC a psicóloga Kathya Araujo, autora de vários livros sobre o autoritarismo no país. “Não sei como é que lhes passou isso pela cabeça, porque o peso simbólico de uma medida como esta no Chile é altíssimo” e contraproducente, “avivou o conflito” e “criou um cenário de guerra”.
Os 23 mortos e mais de dois mil feridos dos confrontos entre manifestantes e a polícia parecem dados de um conflito bélico. O Colegio Medico do Chile (ordem dos médicos cirurgiões) denunciou esta quarta-feira um nível recorde de feridos com traumatismo ocular (mais de 180) causado por balas de borracha ou disparos de gás lacrimogéneo. “Lamentavelmente no Chile, em duas semanas, tivemos um número maior de casos que em qualquer situação de agitação social no mundo”, disse o vice-presidente da ordem, Patricio Meza. “A única estatística mundial que se aproxima um pouco do que vimos no Chile é de Israel, onde houve 154 pacientes com olhos lesionados, mas em seis anos”, acrescentou, citado pelo site Cooperativa.cl.
A polícia e o exército são alvos de críticas de vários quadrantes, sobretudo das organizações de defesa dos direitos humanos, pela forma como responderam aos protestos com excesso do uso da força e violações dos direitos humanos. Ainda esta quarta-feira, o Ministério Público do Chile anunciou que vai processar 14 agentes da polícia (carabineiros) por delitos de tortura, devido a espancamentos de manifestantes a 21 de Outubro.