O PÚBLICO na Escola é uma oportunidade para “formar cidadãos mais atentos”
Projecto PÚBLICO na Escola é apresentado hoje. Regressa adaptado aos desafios da actualidade.
Trinta anos depois do arranque do projecto, o PÚBLICO volta à escola num mundo novo. As mudanças nos media vão da contracção do mercado ao clima de desconfiança lançado pelas chamadas fake news. Também nas salas de aula os tempos são outros. “Enquanto antes os alunos eram apenas consumidores de media, agora são produtores”, nota a professora Luísa Gonçalves, uma das co-responsáveis pelo projecto. Muitos deles, aliás, “estão muito mais à vontade do que os professores” com as novas tecnologias.
O projecto PÚBLICO na Escola, que conta com o apoio do Ministério da Educação e da Fundação Belmiro de Azevedo, é lançado nesta terça-feira em Lisboa. Que desafios traz a nova realidade mediática para o repto da educação para os media lançado há três décadas? “O contexto em que isto se passa é completamente diferente”, nota Joaquim Fidalgo, responsável pelo projecto na primeira direcção editorial do jornal. “A literacia mediática de há 30 anos era muito menos exigente do que é agora porque agora há muito mais coisas que é preciso compreender.” É preciso aprender a navegar no mar de informação que, actualmente, cada pessoa também contribui para disseminar. “É preciso ainda mais esforço de literacia mediática”, sublinha, já que “todos passamos a ser consumidores e produtores permanentemente”.
Para o director do PÚBLICO, Manuel Carvalho, a educação para os media é imprescindível para motivar em particular os jovens a “lerem criticamente os media”: distinguindo o jornalismo de fenómenos como as chamadas fake news, campanhas de desinformação e os diversos conteúdos partilhados nas redes sociais; compreendendo os diferentes géneros jornalísticos e sabendo distinguir factos de opinião, informação de entretenimento; tornando-se leitores críticos e capazes de exigir mais qualidade aos jornais.
Dos “números zero” às escolas
Ainda antes de chegar às bancas, já o PÚBLICO estava nas escolas. Enquanto a redacção fervilhava com os “números zero” do novo jornal de referência, que só veria a luz do dia a 5 de Março de 1990, já em Outubro de 1989 o projecto chegava a escolas do Porto e de Lisboa para ajudar professores a usarem as notícias nas salas de aula. “Já que o PÚBLICO pretendia ser um projecto inovador e também atento aos seus públicos, porque não ser inovador também estabelecendo uma relação privilegiada com as escolas?”, desafiava o então jornalista Manuel Pinto, professor catedrático em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho. Motivado por experiências em outros países, falou com Joaquim Fidalgo e Jorge Wemans, que lhe encomendaram um estudo sobre “o que poderia ser um projecto ligado às escolas”.
Joaquim Fidalgo recorda os primeiros passos, mais focados nas actividades em sala de aula e em “pensar o jornal como ferramenta de educação”, e como projecto cedo evoluiu para outras dinâmicas: “proporcionar aos miúdos a experiência de fazer um jornal”. Colocar-se perante as decisões quotidianas dos jornalistas, descreve, poderia incutir uma leitura mais crítica e bem informada das notícias. “O pior que pode acontecer na nossa relação com os media é sermos comidos por parvos, é eles contarem-nos as histórias que quiserem e nós comermos aquilo que é lá escrito sem perceber nada do que se está a passar”, diz o ex-provedor do PÚBLICO.
“Isso chama-se jornalismo”
Bárbara Simões, jornalista e co-responsável pelo projecto, descreve os dois vectores fundamentais do projecto: “a utilização do PÚBLICO como instrumento de trabalho na sala de aula”, incorporada na ideia de “aprender com o PÚBLICO”, e o retomar do concurso nacional de jornais escolares, que teve a sua última edição em 2014.
Para quem se recorda do projecto, a diferença mais óbvia está nas plataformas: a comunicação passará a estar centrada no site e os cadernos (antes enviados pelo correio) serão convertidos numa newsletter via e-mail, também em formato PDF. No caso das fichas pedagógicas, os professores são convidados a ensinar como se fazem conteúdos jornalísticos, pensar sobre questões da actualidade e motivar os alunos a colocar novas questões a partir de textos como uma reportagem sobre o concerto de Billie Eilish ou sobre a forma como os adultos lidam com a assertividade de Greta Thunberg.
“O objectivo é formar cidadãos mais atentos, mais comprometidos, mais intervenientes” — e isto “não se faz de um dia para o outro, só com uma actividade”, alerta a professora Luísa Gonçalves. Não será demasiado peso para as escolas, mais um projecto para os professores encaixarem no dia-a-dia? A escola tem hoje que preparar para “múltiplas literacias”, é certo, mas não deve “segmentar saberes que estão juntos na vida real”, reflecte. Pode, antes, ter uma abordagem integrada e “pôr os alunos a trabalhar em questões que lhes digam alguma coisa”.
O trabalho através de jornais escolares, conta quem participa, deixa marcas positivas. Bárbara Simões tem falado com pessoas que estiveram envolvidas em jornais que participaram no concurso do PÚBLICO na Escola ao longo dos anos. Olhando para trás, o que é que ficou? Contam-lhe coisas como: “Nunca teria falado com pessoas tão diferentes e com interesses tão diferentes se não andasse a fazer um trabalho para o jornal da escola, e isso foi muito importante para a minha formação enquanto ser humano.” “Ter a capacidade de olhar para o que está à volta, por exemplo, não é uma coisa óbvia para toda a gente e é uma coisa que se treina e que se inculca”, acrescenta Bárbara Simões. “E isso chama-se jornalismo.”