Os pobres votam no PS? Uma questão de percentagens
Ao contrário do que Bárbara Reis escreve, as duas categorias socioprofissionais mais desfavorecidas manifestam uma clara preferência pelo PS. Em contrapartida, os eleitores mais favorecidos concentram sobretudo o seu voto nos partidos do centro-direita.
No seu artigo “É verdade que os pobres votam no PS?” (PÚBLICO, 01.11.19), Bárbara Reis contesta a afirmação do deputado da Iniciativa Liberal segundo a qual são os pobres que permitem ao PS manter-se no poder. Para isso mobiliza os dados da tabela 4 de um artigo publicado numa revista de ciência política (Electoral Coalitions and Policy Reversals in Portugal and Italy in the Aftermath of the Eurozone Crisis, 2019, disponível gratuitamente na net). Na tabela, nas colunas figuram os partidos políticos e nas linhas as categorias socioprofissionais dos eleitores. Cada coluna perfaz 100% e contém assim a distribuição percentual por categoria socioprofissional de pertença dos eleitores do partido. A última coluna representa o total da distribuição percentual por categoria socioprofissional dos eleitores. A tabela apresenta apenas quatro formações políticas, PS, PSD/CDS, BE e PCP, com exclusão das outras formações e dos votos brancos e nulos.
Face a estes dados, Bárbara Reis desenvolve as seguintes considerações: “Aprendi que 33% dos eleitores são operários (…) e que os operários votam em todos os partidos. São 43% do PCP, 39,6% do PS, 26% do PSD/CDS e 20,9% do BE. Os trabalhadores de serviços (empregados de limpeza e mesa) são 21,5% e votam em todos: são 25% do PCP, 22,4 % do PS, 20,6% do PSD/CDS e 14% do BE. O mesmo nos gestores: são 6,2% do total e são 8% do BE, 7,9% do centro-direita, 4,8% do PS e 4,6% do PCP. É giro dizer no Parlamento que o PS se alimenta dos pobres. Mas não cola.”
Acontece que o que não cola é um desenvolvimento como este, sem qualquer consistência, pela razão simples de que o número de votantes em cada partido não é o mesmo. A única maneira de analisar a orientação do voto segundo a pertença social é ver, por 100 votantes de cada categoria socioprofissional, como se distribui o seu voto por formação política, um cálculo que, só por si, a tabela 4 não permite.
Há, contudo, a possibilidade de resolver o problema, cujo ponto de partida consiste em alterar a distribuição da tabela 4 de acordo com a votação em cada partido. Nas legislativas de 2019 o PS obteve 36,65% dos votos, o PSD+CDS 32,15%, o BE 9,67% e o PCP/PEV 6,46%. A partir daqui procedi por dois passos. Primeiro, ponderei a distribuição da tabela 4 pela dimensão do voto em cada partido. Para isso multipliquei cada coluna da tabela pela proporção de votantes em cada partido. Assim, por exemplo, no cruzamento dos profissionais por conta própria com o PS temos 1,35%, a percentagem de votantes no PS que pertencem a essa categoria. Multiplicando este valor por 0,3665 obtemos 0,495, isto é, a percentagem de votantes que são profissionais por conta própria e votaram PS. Obtive deste modo uma tabela com uma distribuição (equivalente a uma distribuição em valores absolutos) que me permitiu passar ao segundo passo: apresentar os dados de uma forma que possibilita analisar a orientação do voto de cada categoria socioprofissional. Deste modo, por cada 100 eleitores de cada categoria, temos a seguinte distribuição, respectivamente pelo PS, PSD+CDS, PCP e BE: para os operários 52,4, 30,3, 10 e 7,3; para os trabalhadores dos serviços 46,2, 37,1, 9,1 e 7,6. Ou seja, as duas categorias mais desfavorecidas manifestam uma clara preferência pelo PS. Em contrapartida, os eleitores mais favorecidos concentram sobretudo o seu voto nos partidos do centro-direita: os profissionais por conta própria 27,6, 51,1, 4,8 e 16,5; os gestores 32,6, 47,4, 5,6 e 14,4; e os pequenos empresários 34,2, 51,3, 4,7 e 9,7. Uma orientação do voto portanto bem longe da imagem de indiferenciação classista que Bárbara Reis nos deixou com a sua interpretação da tabela 4 do artigo.
Uma nota final. O que acabei de expor fica estritamente circunscrito ao próprio texto. Não implica qualquer opinião ou juízo de valor quer sobre outro aspecto das declarações do deputado da Iniciativa Liberal – o PS tem interesse em manter os pobres na pobreza – quer sobre o supracitado artigo.