Viajar pelas encostas do Douro à boleia de uma mão cheia de edifícios premiados
Numa região habituada a estar no mapa pela cultura vinícola, a arquitectura assume-se como mais uma razão para a palmilharmos. Fomos revisitar as obras distinguidas pelo Prémio Arquitectura do Douro.
Quando, em 1756, Sebastião José de Carvalho e Mello assinou, juntamente com os “lavradores de Cima do Douro e Homens Bons da Cidade”, o documento que daria origem à Região Demarcada do Douro, o seu objectivo era garantir, para aquele território, uma protecção excepcional que assegurasse a excelência do vinho ali produzido.
Mais de 200 anos depois — em 2001 —, coube à UNESCO reconhecer o carácter único do Alto Douro Vinhateiro, ao conceder-lhe o estatuto de Património Mundial. Do território, o organismo destacou os “mais de dois mil anos de produção vinhateira”, a “diversidade de actividades que lhe estão associadas”, assim como a representação da “longa tradição europeia da cultura da vinha”. A notoriedade além-fronteiras do território duriense fortaleceu-se com a passagem do tempo e com as sucessivas campanhas de promoção realizadas pelas instâncias governativas. E com a crescente actividade turística surgiu uma onda de renovações arquitectónicas e paisagísticas que tem vindo a transformar a região.
Ciente de que na luta pela adega mais ousada ou pelo hotel mais contemporâneo não pode valer tudo, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte criou, em 2006, o Prémio Arquitectura do Douro (PAD), com vista à promoção da “cultura arquitectónica de excelência” e das “boas práticas no exercício da arquitectura”. Entre as diversas propostas submetidas (e premiadas) ao longo dos últimos 13 anos encontram-se “intervenções de construção, conservação ou reabilitação de edifícios ou conjuntos arquitectónicos, históricos ou contemporâneos”, mas também propostas de “desenho urbano em espaço público”.
Agora que se aproxima o anúncio do vencedor de 2019/2020, o P3 revisita os anteriores premiados. Projectos que desafiaram os terrenos acidentados e rochosos dos vales — à semelhança do que já acontecera com o cultivo da vinha há mais de dois mil anos — e que podem inspirar novos passeios no Douro.
Adega da Quinta da Touriga, Vila Nova de Foz Côa
(Vencedora em 2006)
Finalizada em 2004, a obra da autoria do arquitecto António Leitão Barbosa era a peça que faltava na propriedade de Jorge Rosas — filho de José Rosas (responsável pela aquisição da quinta) e bisneto de Adriano Ramos Pinto, duas figuras incontornáveis na história da região. A adega, descrita pelos especialistas como um “altar a Baco”, é composta por duas naves, cada uma com 25 metros de comprimento e nove de largura, e tem no xisto o seu principal material, numa alusão à paisagem que a enquadra no terreno irregular. Segundo o júri do PAD, o centro de vinificação “tem em consideração o sítio, a expressão de um uso e de um programa definido com parcos recursos formais que se mostram como síntese essencial, descartando todo o excesso, tornando o projecto exemplar no seu cuidado, descrição e integração na paisagem duriense”.
Museu da Vila Velha, Vila Real
(Vencedor em 2008)
“Um volume pétreo e silencioso” foi a proposta de António Belém Lima para o Museu de Vila Velha, em Vila Real. O projecto, integrado no plano de reabilitação urbana da cidade, contempla três salas de exposição, um auditório e uma biblioteca-multimédia que se distribuem por dois pisos, assim como uma “zona laboratório”, cuja entrada é independente do restante edifício. No interior, a viagem pela história da cidade faz-se através de objectos arqueológicos, reproduções documentais, gravuras, plantas e fotografias antigas, mas também pela contemplação das paisagens resultantes dos planos privilegiados sobre a porta franca.
Armazém da Quinta do Portal, Sabrosa
(Vencedor em 2010/2011)
Oitenta metros de largura e 375 de comprimento erguidos pela força do aço e do betão, mas camuflados na paisagem por via do xisto e da cortiça. Assim foi a chegada do traço de Álvaro Siza Vieira às margens do Douro, em 2008. O espaço, destinado à conservação e envelhecimento do vinho produzido pela família Mansilha, engloba as três áreas de actividade desenvolvidas na quinta: vinha, vinificação e turismo. Tal é possível através de um armazém, de uma sala de provas aberta ao público e de um auditório que compõem os quatro pisos do contemporâneo edifício situado em Sabrosa. Aquando da vitória, a obra foi descrita pelo júri como sendo “grande por imperativo e racional por vontade”.
Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa
(Vencedor em 2012/2013)
Aquando da concepção do Museu do Côa, a topografia acidentada da encosta pode ter representado dificuldades acrescidas para Tiago Pimental e Camilo Rebelo, mas foi a partir das soluções encontradas que a dupla de arquitectos acabou por criar alguns dos elementos mais marcantes da obra. Esta trata-se de um monólito triangular que se adapta como uma “prótese” ao terreno, no qual encaixou para se tornar um corpo com interpretações distintas, dependendo do ângulo e da distância a partir da qual a observação é feita. A entrada no espaço é feita através de uma plataforma panorâmica, na cobertura do edifício, que se liga aos restantes níveis através de uma rampa. No que diz respeito aos materiais utilizados, a escolha recaiu sobre o betão com inertes e pigmento de xisto. Na memória descritiva do projecto pode ler-se que inclinação “conduz o utente para dentro da densa massa, transportando-o, de modo gradual, da paisagem intensa, luminosa e infinita até à realidade interior e escura da sala gruta, que nos remete para um tempo primitivo”.
Centro de Alto Rendimento do Pocinho, Vila Nova de Foz Côa
(Vencedor em 2016/2017)
A inexistência de um conjunto significativo de edifícios com um programa semelhante ao do Centro de Alto Rendimento do Pocinho, destinado a atletas de alta competição nas modalidades de remo e canoagem, tornaram a concepção do projecto mais aliciante para Álvaro Fernandes Andrade. Desprovido desse tipo de referências, o arquitecto centrou a sua atenção no respeito pelo espaço envolvente, na natureza que ali habita e na história do lugar. Tratou, então, de distribuir sinuosamente os oito mil metros quadrados por três áreas funcionais: socialização, alojamento e treino, unidas por um corredor que, à semelhança do restante edifício, distingue-se pelas formas irregulares. Como inspiração, serviu-se dos tradicionais socalcos da região (que decalcou), mas também dos “grandes volumes brancos construídos na paisagem, formalmente complexos e volumetricamente diversos” – daí que seja inegável a força destes dois estímulos no resultado final do edifício. Juntou-lhes, ainda, duas necessidades pessoais: “o assegurar de mobilidade e acessibilidade para todos” e “o carácter central de valores de desenvolvimento sustentável”.
Apoiado por Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.