Bastonário dos médicos pede intervenção do Ministério Público no caso da clínica de Setúbal

Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo revelou, na segunda-feira, que a clínica não tem convenção com o SNS. Para o bastonário, a situação da clínica onde a mãe de Rodrigo fez ecografias “pode configurar um crime”.

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Rui Gaudencio

O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) pede a intervenção do Ministério Público no caso da clínica de Setúbal Ecosado, onde o médico Artur Carvalho acompanhou a mãe de Rodrigo, o bebé que nasceu com graves malformações que não foram detectadas na gravidez, e que afinal não tinha convenção com o Estado.

Miguel Guimarães fez o apelo depois de ter estado reunido, esta quarta-feira, com o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Luís Pisco, para a abordar o caso. Foi aquele organismo que revelou, na segunda-feira, que a clínica não tem convenção com o SNS.

“Temos aqui matéria que é complicada, que merece a intervenção do Ministério Público porque poderá estar em causa não só a questão de más práticas — que neste momento estão no Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos —, mas outras mais complexas que levam a que depois falhem os mecanismos de auditoria, de fiscalização e de controlo do que é feito nas convenções entre o sector público e o privado”, disse o bastonário dos médicos.

O responsável lembrou que a mãe do bebé, que nasceu no Hospital de Setúbal com graves malformações, era seguida no centro de saúde e que fez as ecografias numa clínica privada que alegadamente teria uma convenção com o SNS. A madrinha da criança, Tânia Contente, disse ao PÚBLICO que a mãe do bebé nunca pagou nada à Ecosado pelos exames — realizados pelo obstetra Artur Carvalho, que foi entretanto suspenso preventivamente —, tendo a clínica aceite a requisição que levou passada pela médica de família.

Está por esclarecer a questão de como e a quem o SNS pagou por esses exames, já que não havia convenção com a Ecosado. Para o bastonário, a situação “pode configurar um crime”. A forma como se deu este pagamento “é uma das coisas que está em investigação” por parte da ARSLVT, entidade que, adiantou Miguel Guimarães, também está a informar o Ministério Público sobre a suspeita desta irregularidade.

Sobre a possibilidade de haver eventualmente uma clínica maior que esteja a fazer subcontratação com outras clínicas mais pequenas, Miguel Guimarães afirmou que “se estiver a ser feito sem conhecimento da ARSLVT, é ilegal”.

O bastonário desconhece qual o número de requisições que possam ter sido aceites indevidamente por parte da Ecosado para a realização de ecografias obstétricas, mas admitiu que “seguramente devem ser muitas”. “Temos algumas notas, que nos chegaram na sequência deste caso, de pais preocupados com esta questão da ecografia feita pelo médico, a perguntarem onde é que com o P1 [requisição passada pelo médico de família] podiam ir e ter uma boa alternativa.”

Ao PÚBLICO, Miguel Guimarães explicou que quando marcou a reunião com o presidente da ARSLVT pediu também duas coisas: “Que nos enviassem o contrato que tinham com a Ecosado — foram procurar e viram que não têm — e os procedimentos concursais que na altura foram feitos para a convenção, para perceber qual o valor que estava a ser pago por ecografia e se quando fizeram o concurso entrou em linha de conta apenas o preço ou também factores de qualidade.”

Terá sido nessa altura que a ARSLVT percebeu que não havia uma convenção com a Ecosado. “Fizemos o pedido há uma semana, antes não se falava disso”, disse o bastonário.

"Falência no controlo” do sistema de saúde

Para Miguel Guimarães, o caso do bebé Rodrigo “não é apenas um caso de más práticas, é um caso em que de facto há uma falência no controlo do que é feito no sistema de saúde”. “Exige de todos nós, entidades dependentes do Ministério da Saúde — Ministério da Saúde, regulador e ordens profissionais — termos um momento zero, em que muita coisa deve ser avaliada”, afirmou, referindo que no caso da Ordem dos Médicos já reuniu com o Conselho Disciplinar do Sul no sentido de se agilizarem os processos e darem prioridade na avaliação daqueles que podem ser os mais gravosos.

Uma das questões que Miguel Guimarães considera que deve ser repensada é a do encaminhamento que deve ser dado aos utentes quando os centros de saúde não conseguem fazer os exames que prescrevem. “Acho que é um caminho que se deve fazer, que as indicações para fazer determinados exames possam ser apontadas pelos secretários clínicos [dos centros de saúde]. Que digam na altura onde se pode fazer o exame.”

Outra questão que o bastonário tem chamado a atenção é do preço pago pelo SNS aos convencionados por determinado tipo de cuidados. “Quando se fazem concursos e depois se opta pelo preço mais baixo, o que existe é uma grande luta desenfreada entre várias entidades para tentarem ficar com a convenção ao preço mais baixo. E, muitas vezes, aceitam valores que podem não ser lucrativos. Isto pode levar a que existam atropelos às boas práticas. O Estado deve ter um princípio diferente na contratação de serviços externos, sejam convenções ou outros. Deve haver um preço abaixo do qual não se deve ir. Quando se paga 30 euros por uma ecografia destas [morfológica], é um valor muito baixo porque esta ecografia tem uma enorme responsabilidade”, salientou.

Na segunda-feira, Miguel Guimarães reuniu com a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) por causa do mesmo caso. “Várias entidades com quem conversámos, acabaram por nos dizer que não têm os meios adequados para responder às funções que lhes estão atribuídas legalmente. É o caso da Entidade Reguladora da Saúde, que tem um conjunto de funções muito alargado a que provavelmente tem dificuldade em dar resposta com os meios que tem ao seu dispor.”

“Se tenho uma entidade que não tem a capacidade que devia ter para fazer as intervenções necessárias para termos uma vigilância mais transparente e efectiva, é evidente que a probabilidade de acontecerem eventos adversos aumenta”, alertou. Cabe à ERS, desde 2014, assegurar que as clínicas têm licenciamento para funcionar. Segundo o bastonário, o licenciamento da Ecosado “foi feito online em 2016”.

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