Voto eletrónico – parar o vento com as mãos?
Continuamos todos a espantar-nos com o crescimento da abstenção, sem sequer nos questionarmos sobre como pode 20% da população eleger um governo com maioria absoluta.
Na sequência de mais uma eleição legislativa em que se verificou um novo crescimento da abstenção (51,4% – fonte: Pordata), entendo que este é o momento para refletir sobre a possibilidade de se disponibilizar a opção do voto eletrónico remoto aos cidadãos portugueses.
Importa realçar que esta opção é distinta do que foi testado nestas eleições – que foi o voto eletrónico presencial.
Para além do argumento relativamente óbvio – mais de metade dos eleitores não votou, o que implica que um partido que recolha um pouco mais de 20% de votos favoráveis (sobre o total dos eleitores) pode governar com maioria absoluta –, temos ainda o tema dos eleitores que residem fora de Portugal, cujos votos tiveram, mais uma vez, um conjunto vasto de problemas: desde eleitores que não receberam as cartas com os boletins de voto em tempo útil, até ao problema da classificação dos votos. Este último tema provocou inclusive o atraso na tomada de posse do novo Governo.
Contudo, existe um conjunto de preocupações – diga-se desde já legitimas – associadas à ideia de uma votação eletrónica, que têm a ver com a possibilidade de existência de uma fraude informática com dimensão suficiente para mudar o desfecho de uma eleição. Como exemplos,
- Uma pessoa (ou mais) serem pressionadas a votar num determinado partido ou candidato – nada de muito substancial se altera, dado que é uma situação que já pode existir hoje em dia (basta relembrar algumas reportagens sobre votantes transportados em carrinha até à mesa de voto),
- Venda de votos – também já hoje existe esta possibilidade, não sendo possível controlar o motivo por trás da escolha do sentido de voto (seja presencial ou remoto),
- Fraude informática em larga escala – sendo esta a preocupação que me parece mais relevante, não basta defender que as aplicações de voto remoto têm elevados padrões de segurança, são auditáveis e certificadas. É também preciso realçar que a possibilidade de haver voto eletrónico remoto não elimina a votação presencial, apenas complementa. E quem quiser continuar a votar presencialmente, poderá sempre fazê-lo. Aliás, o exemplo dos países onde tais experiências foram efetuadas mostra que nas primeiras votações a percentagem de eleitores que opta pelo voto eletrónico remoto ascende a 2% a 3% – e vai crescendo devagar e de forma sustentada, eleição a eleição. Adicionalmente, das experiências realizadas em Portugal em eleições para diversos órgãos sociais, o sentido e as percentagens do voto eletrónico remoto é semelhante ao sentido e percentagens do voto em urna.
Tirando partido da existência do Cartão de Cidadão é possível disponibilizar a possibilidade de os portugueses votarem, remotamente, em qualquer parte do mundo, de forma segura e controlada.
Até há uns anos era um tabu e não era possível votar antecipadamente porque era necessário o eleitor poder refletir – inclusive no sábado – antes de, em consciência e na posse de todos os argumentos, votar. Nesta ultima eleição dezenas de milhar de pessoas votaram, em Portugal, na semana anterior. E será que isso afetou o resultado final da votação? Ou que algum efeito negativo decorreu disso?
Para aqueles que tentam parar o vento com as mãos, proponho que se façam pilotos num número de assembleias de voto reduzidas e, pouco a pouco e com confiança, se aumente o universo a quem se disponibiliza esta possibilidade, mantendo sempre a possibilidade de quem quiser votar em urna. Ainda mais evidente e mais fácil: porque não se disponibiliza esta opção aos emigrantes – num ou outro país em particular – onde a taxa de abstenção é de 90% e que elegem apenas quatro deputados (no total)?
Num momento em que a nossa vida é cada vez mais digital (desde os serviços de saúde aos serviços financeiros, da educação até à interação com os serviços do Estado), o facto de nem sequer se fazer um piloto controlado de voto eletrónico remoto é um anacronismo – e continuamos todos a espantar-nos com o crescimento da abstenção, sem sequer nos questionarmos sobre como pode 20% da população eleger um governo com maioria absoluta.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico