Autarquia liderada pelo JPP na mira do Ministério Público e do Tribunal de Contas

Em causa estão ajustes directos no valor de um milhão de euros entre a Câmara de Santa Cruz, na Madeira, e uma sociedade de advogados de Lisboa.

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Tribunal de Contas está a investigar ligações do JPP com sociedade de advogados pcm patricia martins

A Câmara de Santa Cruz, na Madeira, a única liderada pelo Juntos pelo Povo (JPP) no país, fez ao longo dos últimos cinco anos vários contratos por ajuste directo no valor de um milhão de euros com uma sociedade de advogados de Lisboa, da qual um dirigente nacional do partido é sócio. Por causa destes negócios, a autarquia está agora debaixo de olho da justiça. Fonte da Procuradoria-Geral da República disse ao PÚBLICO que as relações entre o município, o JPP e a sociedade de advogados estão a ser investigadas pelo Departamento de Investigação e Acção Penal do Funchal. Por seu lado, o Tribunal de Contas confirmou ao PÚBLICO que “foi realizada uma auditoria de fiscalização concomitante à contratação de serviços jurídicos pela Câmara Municipal de Santa Cruz à Santos Pereira & Associados – Sociedade de Advogados”.

Santos Pereira & Associados – Sociedade de Advogados é o nome do escritório de advogados referenciado e Bruno Pereira é o nome sócio que também é dirigente do JPP. Este advogado preside à comissão nacional de jurisdição (órgão disciplinar do partido) e lidera a concelhia lisboeta. O presidente da Câmara de Santa Cruz e também presidente do JPP é Filipe Sousa, cujo irmão é Élvio Sousa, o secretário-geral do partido e deputado na Assembleia Legislativa da Madeira. 

A estes nomes juntam-se o de Miguel Pereira (o irmão de Bruno Pereira que é também o advogado que assinou todos os ajustes directos celebrados entre a câmara e a sociedade de advogados) e o de Vanessa Carvalho (a mulher de Bruno Pereira que é advogada e presta assessoria jurídica ao grupo parlamentar do partido, como disse ao PÚBLICO).

O Juntos Pelo Povo nasceu de um movimento de cidadãos, tendo conquistado a presidência da Câmara de Santa Cruz em 2014, com maioria absoluta. Desde então, o presidente da autarquia e do JPP entregou a assessoria jurídica do município ao escritório do qual é sócio o seu colega de partido. No total, foram feitos sete contratos, seis dos quais por ajuste directo com aquela sociedade de advogados.

Cada ajuste directo ronda, em média, os 100 mil euros, mas há um assinado em Dezembro de 2015 que atinge 332 mil euros e que com IVA ascende aos 409 mil euros. “A celebração de contratos de prestação de serviços em regime de avença não só reduz significativamente os custos com o facto de o apoio não ser dado assunto a assunto, como obsta à existência de elemento surpresa de honorários finais”, lê-se nos contratos que o PÚBLICO consultou. 

O nascimento de um partido

O caso dos ajustes directos foi noticiado pela TVI, no programa de Ana Leal, em vésperas das eleições regionais na Madeira, realizadas a 22 de Setembro. Garantindo que “todos os ajustes directos foram feitos com a legalidade associada à contratação pública”, o autarca Filipe Sousa negou qualquer favorecimento ao escritório de Lisboa e, por várias vezes, asseverou que, “se for necessário, a autarquia fará mais contratos por ajuste directo com a mesma sociedade, em valor igual valor ou superior”. Acrescentou ainda que o escritório, que desconhecia, lhe foi recomendado por alguém. “Não interessa, agora aqui não vou dizer quem”, atestou.

Foi Miguel Pereira quem acabou dar essa resposta. “Quem recomendou foi alguém ligado ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal. Não sei exactamente quem foi, ou, aliás, não devo dizer quem foi, mas isso acontece mais vezes do que pensam nos tribunais”, assumiu. Sobre a formação do JPP, o irmão de Bruno Pereira contou ainda à TVI: “Fomos nós que os desafiámos: porque é que não fazem um partido?”

O advogado Bruno Pereira, que o PÚBLICO tentou contactar por diversas vezes, sem sucesso, representa também o JPP no processo para perda de mandato do presidente da Câmara da Maia, António Silva Tiago, do vereador, Mário Sousa Neves, e também do líder da assembleia municipal, Bragança Fernandes, ex-presidente do executivo ao longo de vários mandatos. Todos eleitos pela coligação PSD/CDS, num município onde JPP e PS concorreram coligados.

Em causa estão duas acções administrativas apresentadas pelo JPP no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma a pedir a dissolução do executivo municipal e a realização de eleições intercalares e a outra a exigir a perda de mandato de António Silva Tiago e outros responsáveis autárquicos. Meses mais tarde, deu entrada outra acção, também com “carácter de urgência”, exigindo a perda do mandato da vereadora e ex-deputada, Emília Santos, mulher de Bragança Fernandes.

Antes de liderar o JPP, Filipe Sousa foi deputado pelo PS. Em 2017, os dois partidos concorreram coligados à Câmara da Maia – a assinatura do acordo foi testemunhada por Ana Catarina Mendes, na altura secretária-geral adjunta do PS, Eduardo Cabrita, então ministro-adjunto, e pelo secretário-geral do Juntos Pelo Povo, Élvio Sousa.

Na origem das acções administrativas está a decisão do município de assumir como sua uma dívida ao Fisco que era dos três administradores da Empresa Municipal Tecmaia - Parque de Ciência e Tecnologia da Maia: António Silva Tiago, Mário Sousa Neves e Bragança Fernandes. A dívida ultrapassa os 1,4 milhões de euros, valor que tinha sido apurado após uma acção de inspecção da Autoridade Tributária, realizada após a dissolução da Tecmaia.

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