Eurodeputados não se conseguem entender sobre salvamentos no Mediterrâneo
A proposta original foi apresentada pela Comissão das Liberdades Cívicas e chumbada na última quinta-feira. Bancadas do Partido Popular Europeu, Reformistas e Conservadores Europeus e Identidade e Democracia também apresentaram propostas sobre a matéria que também foram chumbadas.
O Parlamento Europeu rejeitou no dia 21 quatro propostas de resolução sobre operações de busca e salvamento no Mediterrâneo, aos refugiados e migrantes que tentam chegar à Europa, e distribuição dos pedidos de asilo dos migrantes socorridos. A resolução original — sem valor vinculativo — foi chumbada por uma diferença de dois votos e foi proposta pela Libe [acrónimo da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos]. Esta proposta deu origem a outras três propostas de resolução de três bancadas do Parlamento Europeu. Partido Popular Europeu (PPE), Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) e grupo da Identidade e Democracia (ID) apresentaram propostas próprias, nas quais retiraram muitos dos pontos do texto original da Libe ou “enfraqueceram” o que nesta era defendido. E todas foram chumbadas, não havendo nenhuma a suscitar um mínimo de consenso.
A proposta da Libe insistia na “obrigação decorrente do Direito Internacional do Mar de prestar assistência a pessoas em perigo” e pedia aos Estados-membros que reforçassem “as operações de busca e salvamento proactivas”.
A resolução defendida pelo PPE, a mais semelhante à proposta da Libe, não inclui o reforço das operações de busca proactiva, apesar de pedir a intensificação do “esforços de apoio às operações de busca e salvamento no Mediterrâneo”.
A proposta do ECR ressalvava que, “ao abrigo da legislação da UE relativa ao auxílio à migração clandestina”, os Estados-membros teriam o direito de “avaliar, caso a caso, se a operação de busca e salvamento realizada por navios privados” se limitava a prestar “ajuda humanitária” e sublinhava que “a única forma de reduzir as mortes no mar consiste em impedir novas viagens perigosas”. Ao mesmo tempo, a assumia que os países teriam “todo o direito de aplicar a legislação nacional” no momento de “autorizar ou não a entrada de navios de ONG”.
A proposta da ID tinha dez pontos entre os quais se destacava a autorização aos Estados-membros para a “reintrodução de fronteiras internas se necessário”. “Os capitães e as tripulações de navios das ONG devem abster-se de facilitar a introdução clandestina de migrantes sob a fachada de actividades de busca e salvamento, uma vez que se trata de uma infracção penal”, lia-se na proposta que exortava a Comissão a “acompanhar e investigar as actividades de busca e salvamento das ONG operacionais no Mediterrâneo” e que postulava que “a Frontex só pode realizar operações de busca e salvamento se um Estado-membro o solicitar, uma vez que tais operações são da competência dos Estados-membros”.
Como votaram os portugueses?
A proposta da Libe chumbou com 290 votos contra, 288 a favor e 36 abstenções - precisaria de mais três votos para passar. Entre os 20 eurodeputados portugueses presentes houve apenas três votos contra e uma abstenção. E um dos votos contra, o da social-democrata Graça Carvalho, chegou a ser corrigido para “a favor”, mas já sem efeitos práticos na contagem final. Mas também houve outro eurodeputado, o eslovaco Robert Hajšel, do grupo dos Socialistas e Democratas, a corrigir o seu voto de “a favor” para “abstenção”.
O eurodeputado do PAN e todos os eleitos de esquerda portugueses — salvo o bloquista José Gusmão, ausente por doença de familiar — votaram a favor da proposta da Libe. José Manuel Fernandes, do PSD, absteve-se. Contra — além de Graça Carvalho, involuntariamente — votaram então Álvaro Amaro (PSD) e Nuno Melo (CDS-PP).
Esta terça-feira, Álvaro Amaro e Nuno Melo esclareceram que votaram contra a resolução da Libe por não incluir posições do PPE, que integram. “Infelizmente, a presente resolução não teve em conta a posição do meu grupo político. Entendi, assim, seguir a linha de voto indicada pelo PPE e votar contra. Aguardo agora que os diversos grupos políticos voltem à negociação, para redigir uma nova resolução que possa expressar a pluralidade de opiniões existente neste Parlamento”, escreveu Álvaro Amaro na declaração de voto citada pela agência Lusa.
“A afirmação de que a maioria dos deputados do PE — nos quais me incluo — votaram contra o salvamento de refugiados no Mediterrâneo é absolutamente falsa, insidiosa e revela o carácter de quem a profere. Seria tão legítima como dizer, pela mesma ordem de razões, que a esquerda votou contra o salvamento de refugiados no Mediterrâneo”, respondeu por sua vez Nuno Melo, numa declaração enviada à Lusa. O eurodeputado do CDS sublinhou que o PPE apresentou “uma proposta com o mesmíssimo fim”, mas esta foi igualmente chumbada, vincando que não foi apenas a proposta do relator socialista a ser rejeitada com votos da direita, mas também as outras propostas com votos da esquerda.
“As razões do voto contra à proposta socialista foram: a recusa da distinção entre refugiados e migrantes, sabendo-se que a uns e outros se aplicam leis diferentes, e recursos sempre escassos; a tentativa de instrumentalização política do fenómeno, atribuindo-se a algumas ONG o tratamento quase equivalente a Estados [...], a recusa da necessidade da cooperação com países terceiros [...], e a ausência de resposta para pôr fim ao modelo de negócios perpetuado pelos traficantes e grupos criminosos que têm em mãos a vida de pessoas vulneráveis”, afirmou Nuno Melo.
Já o social-democrata José Manuel Fernandes afirma ter optado pela abstenção pelo mesmo motivo. Na sua declaração de voto, o eurodeputado considera que a resolução falhava “na promoção do equilíbrio necessário para tornar as fronteiras da União num lugar mais seguro e humano” favorecendo “a criação de negócios privados, à conta de um drama que nos toca a todos”. E acrescenta que a aposta na Frontex e nas competências dos Estados-membros ofereceria “mais garantias de salvamento de vidas humanas”.
As votações das restantes resoluções (dos grupos ECR, PPE e ID) não constam na acta do plenário porque não tiveram votação nominal (electrónica) e por isso não é possível consultá-las. De acordo com o gabinete de comunicação português do Parlamento Europeu, isto acontece porque “a votação nominal tem de ser pedida e nestes casos não foi requerida”. A votação dessas três resoluções “realizou-se apenas por braço no ar”.
Corrigir votos não altera o resultado final. Porquê?
Os enganos e correcções dos votos são frequentes no Parlamento Europeu, em parte devido à velocidade com que as matérias são votadas. Para ressalvar a intenção de voto, o Parlamento Europeu permite que seja esclarecida a intenção, apesar de não permitir que a correcção tenha impacto no resultado final.
O período para corrigir os votos nominais dura duas semanas. Em causa está uma decisão de 2004 da Mesa (Bureau) do Parlamento Europeu. “Os pedidos para correcção de votos feitos verbalmente na sessão ou encaminhados por escrito ou electronicamente pelos membros podem ser feitos apenas em votos nominais”. Além disso, “qualquer pedido de correcção do voto encaminhado deve ser escrito na acta, mas o resultado da votação não será alterado”, lê-se na decisão.
Propostas chumbaram. E agora?
Na legislatura anterior, a resolução mais abrangente aprovada pelo Parlamento Europeu em matéria de migração e asilo passou em plenário com 390 votos a favor, 175 contra e 44 abstenções. As propostas rejeitadas podem agora ser apresentadas, numa versão que incorpore algumas das propostas de alterações sugeridas.