O menu Dadaísta de Manuel Bóia
No Palácio Chiado, em Lisboa, há um chef empenhado num desafio: criar menus inspirados em movimentos artísticos. Uma aula de cozinha, para aprender a (des)construir pratos.
O chef Manuel Bóia é um homem no seu palácio. Ali, no Chiado, no início da Rua do Alecrim, na casa que já foi do Conde de Farrobo e, mais recentemente da Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação IADE, hoje é ele quem põe e dispõe – pelo menos no que diz respeito à cozinha. E a tarefa não é fácil: no Palácio Chiado existem seis conceitos diferentes, que saem de duas cozinhas organizadas por Bóia para dar resposta aos clientes (e o Palácio tem 160 lugares) que preferem carne, aos que optam por peixe, aos que escolhem uma das opções de comida mais saudável, os que nesse dia estão mais voltados para a gastronomia italiana ou os que apenas querem as sobremesas.
Como se esta não fosse uma missão já bastante complexa, Manuel Bóia lançou-se noutro desafio: criar menus ligados à história da arte, o mais recente dos quais inspirado no Dadaísmo, o movimento artístico surgido na Europa nos inícios do século XX, com vontade de revolucionar a arte, e que juntou nomes como Marcel Duchamp (com a célebre Fonte, nascida de um urinol ao contrário) ou Man Ray.
“A destruição também é criação” – é esta a máxima que, a partir da filosofia dos dadaístas, orientou Manuel Bóia na criação de um menu onde tentou desconstruir vários pratos, de diferentes maneiras. Nas últimas semanas, o chef convidou alguns jornalistas a conhecer o seu trabalho, acompanhando-o durante uma manhã na cozinha para ver como se (des)constroem pratos. Enquanto a restante equipa vai preparando risottos, caldos de carne, purés, Bóia leva-nos para um pequeno espaço adjacente e começa a sua aula, ensinando-nos a fazer uma telha de parmesão crocante e um creme de parmesão, a usar o vinagre para escalfar um ovo de forma mais fácil, a preparar o risotto terminando-o com quantidades muito generosas de manteiga, a saltear os espinafres no ponto ideal.
Nascido em Santulhão, Trás-os-Montes, o chef, hoje com 37 anos, foi muito influenciado por outro irmão que também fez nome como cozinheiro, António Bóia (actualmente no JNcQUOI, em Lisboa). Manuel mudou-se para a capital aos 17 anos e entrou para a Escola de Hotelaria e Turismo, onde recebeu a sua formação. Trabalhou com Leonel Pereira, no Algarve, e com Fausto Airoldi na Bica do Sapato, antes de partir para Nova Iorque, onde trabalhou no Westchester Country Club com o chef Edward Leonard. Regressou a Portugal em 2012, passou pelo Bistro 100 Maneiras, com Ljubomir Stanisic, regressou durante um período à Bica do Sapato, e em 2018 aceitou o convite para chefiar a cozinha do Palácio Chiado.
Na sua forma de trabalhar cruzam-se todas estas influências, desde a força das tradições transmontanas, como as memórias da matança do porco, do fumeiro, da apanha da azeitona e todas as outras vivências de uma pequena aldeia, à formação clássica de escola francesa, que se vê, por exemplo, na forma como nos descreve todos os passos do complexo processo de preparação de um caldo de carne cheio de sabor, que usará num dos pratos. Soma depois a criatividade, em resposta à provocação de ter que criar um menu “artístico”, que já passou pela Pop Art, pelo Surrealismo, e que agora - e até ao final de Novembro - se constrói (e desconstrói) à volta do Dadaísmo.