A tuberculose veio junto com o aumento da pobreza na Argentina
A “peste branca”, ligada à pobreza, que estava em declínio desde os anos 1980, vem aumentando desde 2013. No ano passado registaram-se mais de dez mil casos.
Num subúrbio pobre de Buenos Aires, os jeans e o casaco de Cristina Molina escondem a sua figura doente, legado de anos de fraca dieta que a deixou susceptível à tuberculose que contraiu no princípio deste ano, uma doença ligada à pobreza que voltou a assolar a Argentina.
Molina, de 26 anos, vive com os pais, seis irmãos e quatro sobrinhos em Lujan, nos subúrbios de Buenos Aires. Os médicos acham que um dos irmãos contraiu a doença na prisão e depois espalhou-a pela família ao voltar para casa.
Os casos de “peste branca”, ligada à má nutrição e fraca qualidade das casas, têm vindo a aumentar à medida que a terceira maior economia da América Latina se vê afectada por crises económicas.
A recessão actual e a constante subida dos preços está a empurrar cada vez mais gente para baixo do limiar da pobreza, que se mantém acima de 35% desde o princípio do ano. “A tuberculose é o dano colateral da pobreza”, afirma Laura Lagrutta, especialista argentina em doenças respiratórias que trata crianças com a doença.
Segundo os últimos números da Organização Mundial de Saúde, na Argentina registaram-se 10.320 casos de tuberculose, entre novos e recidivas, em 2018.
Marcela Natiello, coordenadora nacional do programa de controlo de tuberculose e lepra, afirma que a tendência de declínio desde os anos 1980 reverteu-se em 2013, devido a “causas múltiplas e complexas”.
“A tuberculose afecta principalmente as populações mais vulneráveis, com baixos recursos económicos, residentes em ambientes pobres, mal ventilados e cheios de gente”, explicou Marcela Natiello, salientando que mais de metade dos casos na Argentina foram diagnosticados nas zonas populosas dos subúrbios de Buenos Aires.
Dizem os médicos que o crescimento do número de infectados com tuberculose está a provocar problemas nas alas dos hospitais usadas para o tratamento de pacientes com a doença,
Patricia Figueroa, assistente social no Hospital Muñiz, destinado ao tratamento de doenças infecto-contagiosas, afirma que a unidade está a passar por dificuldades para atender todos os pacientes com tuberculose, um número que classifica como “um recorde na história recente”.
“Devido à sobrelotação, o hospital está a dar alta a pacientes com baixo risco de contágio por forma a receber os de maior risco, o que é muito perigoso”, diz, acrescentando que o hospital estuda actualmente a forma de instalar mais camas noutras enfermarias para receber mais pessoas.
Na Villa 31, Luli, de 19 anos, esteve a ser tratada durante um ano depois de contrair a doença quando estava grávida, por sorte, a sua bebé não foi infectada. Ela, o companheiro e a criança vivem numa casa de uma assoalhada sem casa de banho. “Estamos sempre a mudar de casa por causa das rendas muito altas”, explica.
Brigida Simaniz vive em Bajo Flores e acabou o seu tratamento da tuberculose em Maio. Ela e os dois filhos dormem na mesma cama e o medo de infectar as crianças levou-a a muitas vezes “abrir as janelas do quarto para fazer circular o ar”, mesmo no Inverno, quando fazia muito frio. “Segui à risca o tratamento dos médicos com medo de infectar os meus filhos”, disse.