Trump já tem o seu Bin Laden
A morte de Abu Bakr al-Baghdadi não é necessariamente a morte do Daesh. Também não é a solução do puzzle sírio. Mas Trump fica com a consciência mais tranquila.
A saída das tropas norte-americanas do Nordeste sírio era um desfecho esperado. A Administração Obama não teve especial interesse no que se passava na Síria e muito menos Trump. O actual Presidente dos Estados Unidos sempre prometeu retirar as tropas dos cenários de guerra, mas a forma como o fez legitimou uma invasão turca com as inevitáveis consequências humanitárias, políticas e estratégicas. Os EUA abandonaram, mais uma vez, os curdos à sua sorte, contribuíram para o reacendimento do conflito (que entregaram a russos, iranianos e turcos), e com isso poderiam estar a contribuir para o ressurgimento do Daesh. Trump não fez qualquer progresso no Médio Oriente e a sua proposta para terminar com o conflito israelo-palestiniano, a que chamou “o negócio do século”, concebida pelo seu genro, não passou de uma promessa vã. Pior era impossível.
A morte de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Daesh, é o momento Bin Laden de Trump — ao qual não faltou sequer a fotografia do presidente a acompanhar a operação militar — e a correcção estratégica após a retirada das tropas. A ira dos civis curdos que atiraram vegetais e fruta estragada aos blindados dos EUA quando estes abandonavam a região diz muito sobre a frustração deste povo. Só a morte de Al-Baghdadi e a eliminação do Daesh poderiam juntar no mesmo objectivo EUA, Rússia e Irão, os aliados de Assad, com a cumplicidade turca, caso contrário não seria possível sobrevoar o espaço aéreo. Acresce que a retirada norte-americana e o abandono dos aliados curdos foi uma decisão contestada pelos republicanos e que o impeachment em curso começa a fazer cada vez mais sentido.
A um ano de eleições, Trump é um Presidente acossado internamente e desprestigiado externamente. A sua estratégia para lidar com a Coreia do Norte, cujas negociações estão suspensas, com o Irão, cuja pressão não deu os resultados que desejava, ou com a Venezuela, pois Maduro permanece no poder, têm sido inconsequentes. Mais: a promessa de “trazer os soldados para casa” ainda não foi cumprida e o presidente norte-americano acaba de dar mais uma pirueta, ao anunciar que um contingente militar irá proteger os campos petrolíferos das tentações do terrorismo islâmico. A morte de Abu Bakr al-Baghdadi não é necessariamente a morte do Daesh, uma vez que não se tratava de um líder militar, e que há 12 mil militantes detidos em campos de detenção curdos. Também não é a solução do puzzle sírio. Mas Trump fica com a consciência mais tranquila.