MP: a hierarquia para além dos poderes reais

Por estas e, porventura, outras questões, como a necessidade de clarificar a competência para a emissão de mandados de detenção europeus, mas também nacionais, se impõe uma revisão urgente do Código de Processo Penal.

Numa das intervenções públicas sobre a intervenção hierárquica do Ministério Público (MP) em sede de processo penal, foi citado um antigo texto meu em abono de uma tese cujo sentido não sustento na íntegra, o que me obriga a esclarecer a minha posição.

O novo Estatuto do MP, que só entra em vigor em Janeiro de 2019, veio revolucionar o exercício da intervenção hierárquica no âmbito do processo penal, remetendo exclusivamente – e bem – para o Código de Processo Penal (CPP) a regulamentação de tal matéria.

Durante muitos anos, até devido à então juventude desta magistratura e às muitas mutações resultantes da introdução dos novos códigos e leis da democracia, o Estatuto do MP e a sua interpretação mais comum admitiam a ideia de uma dupla forma de exercer hierarquia.

Aceitava-se, inclusive, a possibilidade de a hierarquia emitir ordens dirigidas a processos penais sem a necessidade de que elas revestissem a forma escrita.

Mais tarde, em 1998, o Estatuto passou a prever que tais ordens – quando não se tratasse das já previstas especificamente no Código, que revestiam sempre tal forma – deveriam necessariamente assumi-la.

Pensou o legislador em fazer consagrar ainda que tais intervenções deveriam passar a obrigatoriamente constar do processo, mas acabou por não incluir tal menção, uma vez que vingou o entendimento hierárquico de que isso poderia debilitar a posição processual do MP.  

Assentiu-se, portanto, sem grande discussão interna, que continuavam abertas duas vias para a intervenção hierárquica na gestão do processo: a que resultava de preceitos processuais específicos e a que decorria, simples e informalmente, da estrutura hierárquica do MP.

Foi a tal situação a que o novo Estatuto parece ter querido responder, definindo claramente – e bem a sede em que, doravante, a intervenção hierárquica deve expressar-se.

Acontece, entretanto, que outros problemas de gestão processual se têm vindo a configurar em função da complexidade dos processos que o MP hoje gere.

A criminalidade mudou, atingiu áreas e dispõe de meios muito mais sofisticados e foi necessário, por isso, criar colectivos de magistrados para lidar com processos que exigem uma multiplicidade de abordagens.

Tal realidade e as consequentes exigências de gestão processual delas resultantes não encontram, porém, resposta clara na lei de processo, que, além do mais, foi pensada para uma titularidade da causa por um único magistrado.

Por outro lado, a necessidade de desenvolver certas diligências e determinar certos actos processuais com impacto público e institucional – algumas das quais relativas a titulares garantidos em julgamento por foro próprio – carecem obviamente de conforto hierárquico, até para que assumam peso e responsabilizem o MP como instituição.

Acresce que a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores aponta para uma sindicância no puro plano interno do MP das irregularidades e nulidades ocorridas no decurso do inquérito, circunstância que o Código não prevê e que, na sua nova formulação, o Estatuto também não.

Assim, toda a gestão do inquérito fica sem possibilidade de sindicância até à decisão de acusar, ou não, com todos os inconvenientes que daí podem advir para a própria posição do MP no exercício dos seus deveres para com a realização da justiça.

Por estas e, porventura, outras questões, como a necessidade de clarificar a competência para a emissão de mandados de detenção europeus, mas também nacionais, se impõe uma revisão urgente do CPP.

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