CDS, que futuro?
Com os pés sobre ruínas, o CDS terá de tentar encontrar um caminho, mas, repito, o momento é único e qualquer comparação com o passado não faz sentido.
O CDS vive o momento mais difícil da sua história. Apesar de comparações apressadas e superficiais, o CDS não regressou ao “partido do táxi”. Nada do que se vive agora neste partido fundador da democracia tem paralelo na crise que atravessou durante a década do cavaquismo.
Reduzido a 221.774 votos, que representam 4,22%, o CDS tem o pior resultado de sempre. Caiu de 18 para cinco deputados e está ainda em estado de choque. Com congresso marcado para 25 e 26 de Janeiro, a dimensão do desastre dificulta o aparecimento de candidatos a líder, depois de Assunção Cristas se ter demitido na noite eleitoral.
Era, aliás, a única coisa que podia fazer, depois do falhanço da estratégia política que escolheu, sobretudo desde as autárquicas. O CDS acantonou-se na auto-suficiência de Cristas, que se encheu de si, com os 20,59% de votos para a Câmara de Lisboa. Desde então, não travou a proclamação de autonomia do CDS, desdenhado entendimentos com o PS e também com o PSD. Pior. A direcção de Cristas estigmatizou-se ao entrar em acordo com a esquerda parlamentar, em defesa da luta dos professores pela reposição integral das carreiras, que é liderada por Mário Nogueira. Para, nas europeias, radicalizar o discurso, depois de ter tentado protagonizar uma direita moderada e aberta.
Cristas chocou com a tradição do CDS e com a mentalidade machista do eleitorado conservador de direita ao assumir-se como uma mulher afirmativa e até assertiva (ou mesmo agressiva) no discurso, mas que explora o estereótipo da “mãe de família” e usa técnicas de comunicação que passam pela exposição em revistas e programas de entretenimento na TV.
Com os pés sobre ruínas, o CDS terá de tentar encontrar um caminho, mas, repito, o momento é único e qualquer comparação com o passado não faz sentido. A começar pela sociedade portuguesa, que está a anos-luz do que era há três décadas. O próprio país político é outro. O CDS terá de fazer o caminho das pedras num Parlamento onde está acossado. De um lado, tem o discurso reaccionário da extrema-direita representada pelo Chega. Do outro lado, é apertado pelo liberalismo da Iniciativa Liberal.
Já a posição do PSD — e a relação possível do CDS com ele — é radicalmente diferente da que foi no cavaquismo. O PSD é o segundo partido, mas teve um resultado baixo e não tem um projecto político aglutinador como foi o de Cavaco Silva. O relacionamento com o PSD é, para o CDS, um desafio complexo e insere-se na crise profunda que o centro-direita vive e no processo de transformação a que está obrigado.
O CDS, “partido do táxi”, levou uma década a recuperar, mas em circunstâncias diferentes. A crise de então caracterizou-se por um demorado processo de erosão eleitoral, depois de, em 1985, Lucas Pires ter recusado o convite de Cavaco para o CDS se apresentar às legislativas em listas conjuntas com o PSD. O resultado foi o PSD no Governo de maioria relativa e o CDSa ficar-se pelos 9,96%, descendo de 30 para 22 deputados.
Lucas Pires demite-se, mas seguem-se dez anos de mínimos eleitorais. Em 1987, Cavaco conquista a primeira maioria absoluta. Liderado por Adriano Moreira, o CDS bate no fundo, com 4,44% dos votos, e elege quatro deputados. É o “partido do táxi”. Depois da demissão de Adriano Moreira, Freitas do Amaral regressa à liderança e, em 1991, o CDS tem 4,43% e elege cinco deputados. Freitas retira-se. O partido é presidido interinamente, durante uns meses, por Adriano Moreira até ao Congresso do Altis, em Março de 1992, em que, com o apoio oficial e assumido no palco do congresso de Adriano Moreira e de Nuno Krus Abecasis, Manuel Monteiro é eleito.
Tinha, então, 29 anos, apenas uma licenciatura em direito e o currículo político de ter sido líder da Juventude Centrista. Mas tinha um núcleo duro fortíssimo: Jorge Ferreira, Gonçalo Ribeiro da Costa, Luís Queiró, Luís Nobre Guedes e, também, o ainda não militante do CDS Paulo Portas, então director de O Independente. Além disso, a sua direcção contava com pessoas como Fernando Paes Afonso, Nogueira Simões, Rui Vieira, Manuel Queiró. E agregou personalidades como Maria José Nogueira Pinto e Nuno Fernandes Thomaz. E, questão não menor, mesmo com cinco deputados, a bancada do CDS era um escol: Adriano Moreira, Narana Coissoró, José Luís Nogueira de Brito, Girão Pereira, António Lobo Xavier.
Mais: Monteiro tinha um projecto e uma ideia de país. Assumiu um programa político-ideológico de direita nacionalista e eurocéptica que levou o CDS a recusar o Tratado de Maastricht e a ser contra a adesão ao euro, então em construção. Ensaiou técnicas de discurso populista, mas nunca pôs em causa o modelo de democracia liberal. Um projecto e uma ideia de país que refundou o CDS e o levou aos 15 deputados, em 1995.
Nas diversas e peculiarmente adversas circunstâncias actuais, quem — e com que projecto — irá dar um futuro ao CDS?