Jorge Jesus converteu descrentes em fiéis

Vinte e oito anos depois de Mirko Jozic, o português pode tornar-se no segundo treinador europeu a vencer a Libertadores. Mesmo que não ganhe, uma coisa é certa: em menos de cinco meses, a desconfiança deu lugar ao estatuto de salvador do futebol brasileiro.

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,Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
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Poucos países oferecem tão pouca segurança laboral a um treinador de futebol como o Brasil. Nada menos que 15 dos 20 clubes do Brasileirão já mudaram de treinador em 2019, pelo menos, uma vez, e o Flamengo está entre esses clubes que perdem depressa a paciência com quem está no banco. Teve uma média de dois treinadores por ano na última década, recorrendo sempre a uma poule limitada de nomes e quase sempre brasileiros, mas, na sua 20.ª mudança de treinador da década, o “Mengão” pensou diferente: para substituir Abel Braga a meio de 2019, escolheu Jorge Jesus, uma opção olhada de lado por técnicos e comentadores do “país do futebol”. Quatro meses depois, Jesus passou de um treinador sem currículo internacional a salvador do futebol brasileiro.

Em menos de cinco meses, o antigo técnico de Benfica e Sporting elevou o Flamengo ao topo do Brasileirão, com dez pontos de vantagem sobre o segundo classificado (Palmeiras), sendo o seu feito mais recente a espectacular qualificação para a final da Copa Libertadores graças a uma goleada de 5-0 no Maracanã sobre o Grémio de Porto Alegre, cujo treinador Renato Gaúcho, estava entre os que menos valorizava o trabalho do treinador português ao comando dos rubro-negros. Mas agora ninguém duvida da qualidade do trabalho de Jesus ao ver este Flamengo jogar. “Merece tanto que o mundo o veja quanto o mundo merece vê-lo”, escreve Juca Kfouri, um dos grandes comentadores brasileiros de futebol, no seu blogue.

Para se ter uma noção da grandeza dos feitos de Jesus, é preciso dar-lhes enquadramento na história de um clube que se estima ter mais de 35 milhões de adeptos. O último título de campeão brasileiro do Flamengo foi em 2009, o último (e único) título na Libertadores foi em 1981, numa final com os chilenos do Cobreloa decidida com dois golos sem resposta de Zico. E se o Flamengo triunfar na final a 23 de Novembro em Santiago do Chile (mudar o palco da final ainda está em cima da mesa) frente ao River Plate, Jesus será apenas o segundo treinador europeu a conquistar a Libertadores, 28 anos depois de Mirko Jozic o ter feito em 1991 com os chilenos do Colo-Colo.

Muita gente, entre comentadores e treinadores, tem feito “mea culpa” por desconfiar do técnico português de 65 anos, cuja contratação, no início de Junho, fugia ao que era a regra no futebol brasileiro, mais habituado a reciclar nomes como Vanderlei Luxemburgo, Luiz Felipe Scolari, Paulo Autuori, Mano Menezes, Abel Braga, entre outros. Ninguém é melhor exemplo disto que Marco de Vargas, comentador da Fox Sports Brasil. Em menos de cinco meses passou de “tem três títulos na porcaria do campeonato português” para “Jesus, eu te aceito e peço perdão pelas porcarias dos meus pecados de ontem, hoje e sempre”.

Mauro Cézar, o sempre polémico comentador da ESPN, diz que Jesus está a dar uma lição de futebol ao Brasil e aos brasileiros. “Fico pensando aqui nos técnicos brasileiros que fizeram tantos comentários […]. Onde estarão esses professores agora? Encolhidos em suas casas com o biquinho fechado porque viram uma aula dada por um português que em quatro meses mudou completamente a história e o rumo do futebol brasileiro”, atirou Cézar. Para Zico, talvez o maior ídolo da história do Flamengo, Jorge Jesus é o grande responsável pelo renascimento do clube da Gávea: “Conseguiu implantar o que o adepto quer, uma equipa ofensiva que jogue para ganhar e que tenha uma marcação permanente. O Flamengo está a jogar o melhor futebol do Brasil.”

Mas, se o Flamengo está muito à frente da concorrência no Brasil, não é apenas pela aposta em Jesus. É porque este Flamengo é uma equipa cara e feita de jogadores experientes e internacionais, tal como o técnico português gosta. Só entre os 11 que jogaram de início na segunda mão das meias-finais da Libertadores, estão nove internacionais A (oito brasileiros e um uruguaio) e muita gente com passado recente no futebol europeu, como Rafinha (ex-Bayern), Felipe Luís (ex-Atlético), Gerson (ex-Roma) ou Gabriel Barbosa (emprestado pelo Inter de Milão). São recursos humanos que a grande maioria dos clubes brasileiros não tem capacidade para recrutar.

Com esta progressiva conversão do Brasil e da América do Sul, Jesus (que tem João de Deus, outro português, como adjunto) tem, no entanto, uma cláusula contratual que lhe permite regressar ao futebol europeu em Dezembro sem que precise de pagar qualquer indemnização - e o Flamengo também o pode despedir a “custo zero” se assim o entender. Mas não é isso que o clube carioca pretende, com a imprensa brasileira a falar de uma proposta de renovação ao segundo técnico português da história do Flamengo (o primeiro foi Cândido de Oliveira, em 1950) por valores na ordem dos 4,5 milhões de euros por ano. E, quem sabe, talvez a selecção brasileira, que praticamente só teve treinadores brasileiros (o que está em funções, Tite, não tem uma grande relação com JJ), também começa a olhar para o técnico português como o eventual salvador, se um dia precisar de ser salva. Tem dinheiro para isso.

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