“No princípio, era a liberdade da irresponsabilidade. Agora, é a simples evasão”
A traição, o engano, o poder, a verdade e a mentira são temas recorrentes nos romances de Javier Marías, que tiveram uma génese apurada em Todas as Almas. O romance faz 30 anos e tem nova edição em Portugal. Motivo para uma conversa na casa do escritor, em Madrid, até ao cair da noite. Com um elogio à invenção, o desprezo pela “literatura das penas” e o receio de um regresso ao primitivismo civilizacional sempre que se confunde literatura com literalidade.
A acreditar na conversa, Javier Marías não esperava que o telefone tocasse ao meio-dia de quinta-feira, 10 de Outubro. “Não atendo números que não conheço”, respondeu, meio a sorrir, questionado sobre a eventualidade de receber uma chamada da Academia Sueca. Todos os anos o seu nome aparece na lista dos favoritos ao Nobel. Este ano não foi excepção, mas na lista de apostas ele não estava entre os primeiros. “Passaram-me a lista de apostas. São sobretudo ingleses. Já se sabe que os ingleses apostam em tudo; gente louca. Nas cotações, Anne Carson estava em primeiro lugar, o meu nome estava lá atrás. Mas metade dos nomes não me soava a nada. Olga não sei quê, nunca ouvi falar dela... Ludmila não sei quantos... Não vejo motivo para que me dêem ou não. Não é coisa que me preocupe. Não o desejo nem o espero. Seria um motivo de contentamento, mas não perco um minuto a pensar nisso”, vai dizendo enquanto acende e apaga cigarros, uma voz cava, raciocínio com poucas pausas, poucas hesitações.
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