Ministro da Ciência procura-se
Se Manuel Heitor não fez durante o primeiro mandato a necessária introspecção para mudar o seu curso de acção, é pouco provável que o venha a fazer agora.
O ministro da Ciência Manuel Heitor (2015-2019) foi recentemente renomeado pelo primeiro-ministro para o novo Governo do Partido Socialista (PS) para ocupar a mesma posição fulcral durante os próximos quatro anos. No entanto, e na minha opinião, a sua gestão da ciência portuguesa não foi digna desta renovada confiança. Foram muitas as dificuldades com que o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) se deparou nos últimos quatro anos, e uma boa proporção delas foi da sua responsabilidade. Vou só dar três exemplos.
Quando o ministro Manuel Heitor assumiu sob sua responsabilidade a pasta da ciência em 2015, encontrou um panorama difícil. Portugal estava a sair das restrições impostas pela troika, com certeza existiam graves restrições ao orçamento, e a ciência não era uma prioridade. No entanto, o SCTN português precisava – e ainda precisa urgentemente – de um orçamento maior, mais regular e previsível, e oriundo dos fundos do Estado (e não dos fundos estruturais europeus), que seja plurianual e independente das mudanças de governo. Também precisa de uma menor burocratização, que se adapte melhor ao carácter flexível, criativo e inovador da actividade científica e tecnológica, e permita assim que seja a ponta-de-lança da economia portuguesa.
O próprio ministro Manuel Heitor reconhece estas necessidades e até assinou um manifesto que as identificava. No entanto, este reconhecimento não se traduziu na sua gestão subsequente: só abriu um único concurso nacional para projectos de investigação em todo o seu mandato, o qual foi principalmente suportado por fundos estruturais europeus. Das inumeráveis e tecnicamente complexas barreiras burocráticas é melhor não falar.
De todas as suas medidas, a estrela do seu mandato foi o “emprego científico”, transformando por decreto bolsas em contratos, limitando o uso de bolsas, e forçando contratos de trabalho. Ora estas medidas, que em teoria seriam desejadas pela maioria da comunidade científica, foram executadas de forma normativa e sem atender a estratégias científicas ou institucionais. Os custos de parte destas mudanças pesam nos projectos de investigação, que ficaram sem orçamento para cobrir outras despesas de investigação que não as de recursos humanos.
Na sua maioria, os novos empregos foram “forçados” a dar continuidade a perfis profissionais já existentes, ignorando as necessidades reais e a diversidade do SCTN, e saturando desnecessariamente uma parte do seu mercado laboral (o seu “pleno emprego”). Desta forma, não se promoveram condições para que estes profissionais altamente qualificados fossem produtivos, porque nem os laboratórios nem as instituições ficaram com muito dinheiro para investigação. Os decretos provocaram e ainda provocam uma forte resistência por parte das instituições em estabelecer vínculos contratuais permanentes porque ameaçam os seus já magros orçamentos, senão no presente, no futuro próximo, e não confiam que o Estado virá em sua ajuda quando for preciso assegurar a continuidade destes “empregos”.
Como consequência deste processo forçado e muito pouco orgânico, muitos destes novos contratos ainda não foram executados, e ninguém sabe o que realmente acontecerá com os investigadores já contratados a curto, médio e longo prazo. Ou seja, estes novos empregos – todos a termo certo, ou seja, temporários – continuam a promover a precariedade laboral na ciência em detrimento das carreiras (que é uma realidade diferente de “emprego”). Esta situação virá a ser agravada pelo facto de o ministro Manuel Heitor ter gerado compromissos financeiros enormes que comprometem futuras gerações do SCTN.
A incerteza orçamental foi transversal a todo o SCTN durante o seu primeiro mandato, e teve graves consequências a todos os níveis, especialmente nas estratégias de gestão de recursos humanos, e no planeamento da gestão dos laboratórios e das instituições. A elevadíssima incerteza não estimula a criatividade, mas potencia a escolha de projectos conservadores e de curto prazo, inimigos da inovação. O esforço dos cientistas portugueses e das suas instituições surpreende por uma produtividade científica irrepreensível considerando o baixo investimento realizado, mas Portugal continua sem ser um país inovador (de acordo com a OCDE) e é pouco provável que o consiga ser a curto prazo ou mesmo a médio prazo.
O ministro Manuel Heitor prometia há uns anos que uma grande parte da ciência portuguesa seria em breve financiada por fundos privados. Uma colega espanhola que assistiu ao discurso perguntava-me: “Mas Portugal tem tecido industrial para fazer tal investimento?” A resposta é não. E também pouco ou nada foi feito para incentivar/captar empresas de elevada capacidade inovadora.
Se o ministro Manuel Heitor não fez durante o seu primeiro mandato a necessária introspecção para mudar o seu curso de acção, é pouco provável que o venha a fazer agora. Talvez seja melhor que deixe a pasta a alguém com vontade de mudar, mas para melhor. O SCTN procura ministro da Ciência à séria.