Helder Pacheco: homenagem a um amante da tradição com ânsia de mudança
É historiador, escritor, professor e tem mais de 40 livros publicados – quase todos sobre o Porto. O Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes, onde dá aulas há 22 anos, celebra a sua obra esta quinta-feira
O convite irrecusável foi feito à mesa, durante um almoço no restaurante do Ténis da Foz. O presidente do Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes havia lido os livros de Helder Pacheco e queria tê-lo como docente da sua instituição, numa disciplina sobre o Porto burilada a partir das obras do historiador. Pelas salas de aula de Helder Pacheco passaram, nos últimos 22 anos, mais de 400 alunos – e a “semente” plantada tem dado os frutos sonhados pelo portuense, nascido na Vitória a 31 de Janeiro de 1937. “As minhas aulas são para discutir aquilo que é bom e mau. O que está bem feito e mal feito. Aprender a ter uma atitude crítica perante a realidade e a vida. As cidades só podem melhorar se tiverem uma consciência cívica activa nos seus habitantes.”
Esta quinta-feira (17h, no Auditório do Centro Paroquial de Cristo Rei), o Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes retribui a entrega de Helder Pacheco e homenageia o professor da casa pela “importância quantitativa e qualitativa da sua obra sobre a História e Etnologia do Porto” e a “dedicação” ao instituto desde a sua criação. No auditório, para falar do percurso de Helder Pacheco, estarão Álvaro Costa, a sua ex-aluna Maria de Fátima Martins e o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira.
Helder Pacheco não esconde a alegria trazida por este reconhecimento. “Até agora, o instituto homenageou sempre figuras de primeiro plano da vida cultural, científica e religiosa. Sou o primeiro que não pertence a essa categoria”, graceja. “É sinal de que a minha passagem pela cidade e pela vida teve algum sentido.”
Com mais de 40 livros publicados, Helder Pacheco ainda olha o primeiro deles – Porto, publicado em 1984 e organizado através da história das suas freguesias – com um simbolismo especial. “Continuo a pensar que a melhor maneira de estudar e conhecer o Porto é perceber que não existe um Porto único, mas 15 Portos, os das suas freguesias. Ser de Campanhã não é a mesma coisa de ser da Foz”, comenta em conversa com o PÚBLICO.
A isso, chama “sentimento do território”. Ou “bairrismo” - um apego “muito português, mas particularmente vivo no Porto”. Na Vitória, onde nasceu, Helder Pacheco recorda bem o “fortíssimo amor ao bairro”: “Nasci na [Rua] Conde de Vizela, no lado norte dos Clérigos, e não atravessávamos a rua para brincar com a catraiada do outro lado.”
A cidade “burguesa” foi sempre “liberal e contestatária”. E isso é traço do seu carácter: “Quando se trata de defender a liberdade estamos todos de acordo, quando se trata de defender o bairro estamos em desacordo”, sorri. E esse temperamento é parte da magia portuense: “A cidade é, aparentemente, uniforme no pensamento, mas contraditória no seu interior.”
O Porto que ouve e não cala está ainda vivo. E é desejável: “Alguns dos meus alunos estão a intervir sobre a cidade. Essa é a minha semente.” Aos 82 anos, preserva uma certa nostalgia do passado, mas assume ser um “falso saudosista”. Mais do que o pretérito, interessa-lhe o presente e o que está por vir - e também por isso continua a escrever. “Tenho uma ânsia de mudança daquilo que está mal”, resume. Helder Pacheco - portista ferrenho, leitor compulsivo, amante de música e arte - prefere o Porto em renovação à cidade onde tudo faltava. Quer manter as tradições possíveis e reinventar outras, recriando a alma portuense. Deseja o turismo lado a lado com os moradores. O repto maior será, por agora, essa conciliação: “O grande desafio é atrair população para o Porto, população portuguesa, entenda-se. É preciso que a renovação da cidade se faça a pensar na criação de condições para a classe média viver nela.”