Fadista Carlos Leitão quer encher uma sala com Casa Vazia
Carlos Leitão apresenta esta quarta-feira ao vivo o seu terceiro disco, Casa Vazia. João Só, Jorge Benvinda e Júlio Resende são seus convidados. No Teatro Villaret, em Lisboa, às 21h30.
Depois de dar voltas à casa metafórica que criou, o fadista Carlos Leitão esvaziou-a de coisas, mas não de afectos, saiu, fechou a porta e fez um disco: Casa Vazia, o terceiro de uma série iniciada em 2013 com Quarto e continuada com Sala de Estar (2017). Casa Vazia vai agora ser apresentado ao vivo em Lisboa, esta quarta-feira, no Teatro Villaret (às 21h30), onde terá como convidados três dos compositores que participaram no disco: João Só (que musicou uma letra de Salvador Sobral), Jorge Benvinda e Júlio Resende.
Nascido em Lisboa, em 1979, mas alentejano de ascendência e coração, Carlos Leitão começou a delinear Casa Vazia depois da celebração da amizade sintetizada em Sala de Estar, como ele recorda ao PÚBLICO. “Havia temas que não entraram nesse disco e que decidi também não pôr neste, mas que acabaram por servir de dínamo mental para a criação. Imaginei alguns temas, os que escrevi, e comecei a cimentar a ideia de convidar gente para escrever, principalmente, por razões afectivas. E até para me auto-desafiar.”
Convites, desafios e parcerias
Convidou primeiro Marco Horácio (“um amigo muito forte que eu tenho”) e esse convite ajudou-o nos seguintes. Que incluíram o psiquiatra Júlio Machado Vaz, Tiago Salazar, Tozé Brito, Jorge Benvinda, Júlio Resende, Salvador Sobral, João Só ou Vitorino. Alguns co-assinando uma mesma canção. “Quem decidiu as parcerias fui eu”, diz Carlos Leitão.
“O Tiago já me tinha feito uma letra, aqui há uns anos, que não entrou no primeiro disco. Desta vez, desafiei-o e ele pregou-me uma rasteira: enviou-me a mesma letra, que agora já fez todo o sentido.” E quem poderia musicar essa letra? “Alguém com a mesma linha anárquica e descontraída. E pensei no Vitorino.” E assim nasceu Canção de embalar (o amor). Casa Vazia, que dá título ao disco, tem letra de Júlio Machado Vaz (que entrou no disco, dizendo parte da letra) e música de Armando Machado. Jorge Benvida e Tozé Brito assinam, cada um, letra e música de, respectivamente, Um quarto para as duas e Bem ou mal. E Salvador Sobral assina Dona Maria Dilema, com música de João Só.
Quanto a Carlos Leitão, além de musicar a letra escrita por Marco Horácio, Assim-assim, que abre o disco, escreveu quatro letras que viriam a ser musicadas por Ricardo Cruz (As voltas do sim e do não), Manuel Maria Marques (Quando voltei à cidade), José Elmiro Nunes (O menino dança) e Marco Rodrigues (Os fados que não quero cantar).
Soledad, a homenagear Amália
A somar a estes onze temas, há ainda uma versão de uma canção de Amália, Soledad, um poema Cecília Meireles musicado por Alain Oulman. “Há um vídeo, no YouTube, onde ela está encostada ao piano e ele [Oulman] está a ensinar-lhe a música. Lembro-me de ter visto e ouvido aquilo e de comentar, quando o vi pela primeira vez, que ali estava o melhor exemplo da genialidade daquela mulher. Ele estava a ensinar-lhe a melodia e ao fim de minuto e meio ela já estava a cantar por cima, a levar aquilo para o lado dela. E ele, que tinha uma adoração por ela, ‘rebaixava-se’ para que a Amália sobressaísse.”
Poderão acusá-lo de oportunismo por isso, à beira das comemorações do centenário do nascimento de Amália Rodrigues? Carlos Leitão afasta tal hipótese. “Estou à vontade nisso. E, para que não seja mal interpretado – porque será facilmente interpretado como oportunismo –, nunca cantei nada da Amália excepto (e muito pontualmente) um tema dos menos conhecidos, Que fazes aí Lisboa, do Arlindo Carvalho. E não me atravesso, porque a questão da Amália para mim é quase sagrada. Se me perguntarem qual foi a pessoa que mais gostei de ouvir cantar fado na vida, não foi a Amália – para mim, para o meu gosto pessoal. Agora foi, de longe, a melhor artista que tivemos, a todos os níveis, de uma forma geral.”
Daí a resistência a cantá-la: “Há determinadas coisas que ela cantou e interpretou, que são tão bem interpretadas que para mim é território sagrado que não quero pisar. E fico muito mal impressionado quando outros se aventuram a fazê-lo. Porque, por muito mais bem cantado que seja, há-de ser sempre pior do que o original. Ou se acrescenta alguma coisa ou então, que foi o que eu quis fazer com este tema, é uma homenagem que se lhe presta, escolhendo um dos temas dela que mais me marca.”
Não, a antecipar o novo disco
O tema que fecha o disco, Os fados que não quero cantar, parece destinado a ilustrar de forma mais completa a ideia do título. Assim: “Todos os fados que eram tristes ficaram lá/ Naquela casa onde nada existe, nada lá está/ A solidão trancada/ O nosso quarto ausente/ Chama por nós.” E foi propositado. “Esse foi o único tema em que me fizeram a música primeiro. Gostei imenso da música que me mandou o Marco Rodrigues e pensei nele para fechar o disco. Pensei que ia ser o exercício mais difícil para mim, que é fazer uma letra depois da música feita, mas para meu espanto gosto imenso do resultado final.”
Fechada a casa, que caminhos se abrem agora aos fados de Carlos Leitão? “O meu fio condutor, se é que existe, é deixar a coisa fluir. Vou escrevendo, vou compondo, e depois se verá. Há uma das ideias que eu tenho que está muito mais forte do que as outras e talvez tivesse muita graça explorar isso. Mas cabe-me, além de não a dizer a ninguém, convencer as pessoas que estão comigo a acreditarem que vai ser giro. E acho que vai.”
Para já, existe um tema que Carlos Leitão vai cantar no Villaret e que já está na calha para o próximo disco. “Chama-se Não e é uma letra minha num fado tradicional de Jaime Santos. Fizemos um arranjo entre o fado e o tango de Piazzolla, gosto muito dele e (agora vou ser pouco humilde, mas com convicção) e acho que toda a gente vai gostar.”