Forças especiais dos EUA vão ficar na Síria para proteger campos petrolíferos
O Presidente norte-americano disse que a protecção do petróleo sírio é a única razão para os Estados Unidos ainda estarem no terreno. Washington quer negar eventuais receitas petrolíferas ao Daesh.
Nem todos os militares norte-americanos vão abandonar a Síria. Algumas unidades de forças especiais vão permanecer no país destruído por oito anos de guerra para protegerem campos petrolíferos e a fronteira com a Jordânia, anunciou o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Temos um pequeno grupo [de militares] na zona e vamos proteger o petróleo. Fora isso, não há razão para lá ficarmos”, disse o chefe de Estado aos jornalistas. “Onde está o acordo que diz que temos de ficar no Médio Oriente para o resto da Humanidade, para o resto da civilização, para proteger os curdos? Nunca o dissemos”, continuou, frisando ter sido eleito com a promessa de “trazer os soldados para casa”.
Na campanha eleitoral de 2016, Trump prometeu terminar com as guerras em que os Estados Unidos se viam envolvidos no Médio Oriente e trazer os soldados para casa, mas não o cumpriu. A pouco mais de um ano das presidenciais de 2020, o Presidente precisa de apresentar uma promessa cumprida na política externa ao seu eleitorado. É que as negociações com a Coreia do Norte ficaram num impasse, a pressão sobre o Irão não surtiu os efeitos desejados e o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, não abandonou o poder.
Pouco antes, o secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, tinha dito que Washington estava a considerar deixar algumas tropas na Síria para proteger os campos petrolíferos e que nenhuma decisão tinha ainda sido tomada – não é a primeira vez que Trump anuncia algo ainda em discussão entre o seu Governo e apanha os seus membros de surpresa. “Tem-se discutido essa possibilidade”, disse Esper aos jornalistas em Cabul, no Afeganistão, antes de se dirigir à Arábia Saudita. “Não houve nenhuma decisão sobre números ou algo do género”.
“O objectivo destas forças é trabalhar com as SDF [Forças Democráticas da Síria] para negar ao Daesh e a outros o acesso aos campos petrolíferos”, continuou o governante, referindo-se aos riscos de a organização terrorista ter acesso receitas petrolíferas. A venda de petróleo foi uma das fontes de financiamento da organização até o califado ser destruído, em 2017.
Uma das principais cidades a proteger será Al-Omar, na região síria de Deir Ezzor, onde se localiza o maior campo petrolífero do país, diz o Defense Post. As SDF tomaram-no ao Daesh em Outubro de 2017 e desde essa altura que o controlam, usando os seus recursos para se financiarem. No entanto, Esper não se referiu a zonas concretas.
Os Estados Unidos mantinham até à ofensiva turca no Nordeste da Síria várias centenas de soldados de forças especiais – cerca de dois mil no país inteiro – que apoiavam os curdos no combate ao Daesh e serviam como escudo contra uma possível ofensiva turca. Esta segunda-feira, os militares norte-americanos que ainda estavam na cidade de Qamishli abandonaram-na, com os seus veículos blindados a serem alvos de fruta e vegetais estragados atirados por grupos de civis curdos, diz o Guardian. Muitos amaldiçoavam os norte-americanos, que até há duas semanas viam como seus protectores.
“As pessoas estão zangadas e têm todo o direito de o estarem pela forma como os norte-americanos as abandonaram no campo de batalha”, disse ao Guardian Khalil Omar, lojista de 56 anos, em Qamishli. “Enviámos os nossos filhos para combaterem o Daesh e abandonaram-nos. A traição é difícil de ultrapassar e espero que nos lembremos dela no futuro. Os EUA conhecem muito bem quem está a assassinar pessoas nas estradas, mas escolhem virar os olhos e agora viram-nos costas”.
Esper garantiu que a retirada norte-americana demoraria semanas a estar completa, contudo, na última semana, assistiu-se a uma retirada generalizada das forças especiais norte-americanas do terreno. As forças norte-americanas já abandonaram Manbij, Raqqa e Tabqa, segundo disse uma fonte da coligação internacional contra o Daesh ao Defense Post.
Algumas unidades já chegaram ao Iraque, onde vão ficar alojadas e apoiar o combate ao Daesh, e outras, mais reduzidas, podem permanecer no Nordeste da Síria para protegerem campos petrolíferos. Washington continua a fazer patrulhas aéreas no país para proteger as suas forças no terreno, principalmente os quase 300 soldados que continuam na base de Al-Tanf, no Sul da Síria, a apoiar o grupo rebelde sírio Jaysh Maghawir al-Thawra (Exército do Comando Revolucionário, em português) e proteger as fronteiras da Síria com a Jordânia.
A decisão de Trump em dar luz verde à ofensiva turca permitiu às forças militares de Ancara avançar por território sírio em mais de três dezenas de quilómetros. Houve duros combates com as milícias curdas e bombardeamentos e mais de 100 mil pessoas viram-se obrigadas a abandonar as suas casas. E o Daesh teve finalmente a oportunidade por que tanto aguardava para tentar libertar os seus mais de 12 mil militantes detidos em campos de detenção curdos e engrossar novamente as suas fileiras – já libertaram pelo menos 800.
A ofensiva turca, apelidada Operação Fonte da Paz, não dava sinais de terminar quando Trump anunciou a retirada completa das tropas norte-americanas da Síria, no que foi visto como segundo abandono dos curdos, agora frente ao Daesh. Vendo-se sem apoio norte-americano nas duas frentes, os curdos celebraram um acordo com o regime de Assad e com a Rússia, numa tentativa de servirem de força de interposição perante os militares turcos.
Uma decisão que poderá ter acelerado o acordar de um cessar-fogo de cinco dias, anunciado na quinta-feira passada pelo vice-presidente dos EUA, Mike Pence. O cessar-fogo baseia-se no acordo entre Washington e Ancara de as forças curdas retirarem da fronteira sírio-turca, nomeadamente da zona para onde o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, pretende construir vilas e cidades para instalar mais de dois milhões de refugiados árabes sírios, alterando a sua composição demográfica. Em troca, Trump recua na aplicação de sanções à Turquia, vistas pelos analistas como mais simbólicas do que com impacto real para a economia e esforço de guerra turcos.