Maré negra no Brasil. Voluntários enfrentam desastre ambiental nas praias de Pernambuco
Desde 2 de Setembro foram recolhidas de todas as praias do Nordeste brasileiro mais de 500 toneladas de petróleo misturado com areia. A origem da maré negra de petróleo ainda não foi determinada.
Ao longe passam por comuns banhistas, mas um segundo olhar revela um pequeno exército de voluntários que catam partículas de óleo que deixaram um rasto negro nas areias de várias praias do Nordeste brasileiro. No total, já foram recolhidas mais de 500 toneladas de petróleo misturado com areia, no último mês e meio, mas a origem da maré negra ainda não é conhecida. Sem certezas, os voluntários temem que o óleo continue a dar à costa.
Desde Setembro que moradores e empresários da zona vinham alertando as autoridades para pequenos vestígios de óleo nas praias e, depois de mais de um mês de ameaças, a maré negra de petróleo atingiu este fim-de-semana em força as praias do litoral sul do estado de Pernambuco.
O óleo chegou quinta-feira à Praia de Carneiros, no distrito de Tamandaré, tendo aparecido depois na zona de Maracaípe e nas praias de Cupe e Muro Alto, vizinhas da famosa praia de Porto de Galinhas, no distrito de Ipojuca.
“No sábado chegámos pelas seis da manhã e a faixa de areia e o mar estavam completamente tomados de óleo. A praia, o comércio e os restaurantes e bares estiveram fechados e os funcionários vieram trabalhar na limpeza da praia”, disse Júlio, o gerente do restaurante Pirajuba, na praia do Cupe. “Estamos aqui e, à medida que as manchas vão chegando, vamos recolhendo. Agora são pontos pequenos em relação à quantidade que veio no sábado, mas o trabalho tem de continuar porque a autoridade tem ajudado muito pouco”, acrescentou.
No domingo, quando a agência Lusa fez uma ronda por algumas das praias atingidas, o areal e os bares e restaurantes do Cupe tinham reaberto, mas Júlio continuava vigilante e pronto para recolher eventuais novos vestígios.
Na praia do Muro Alto, as operações da Marinha — durante as quais, à noite, se recolheu o grosso da mancha —, deram lugar durante o dia de domingo ao trabalho de centenas de voluntários, a quem cabe a minuciosa tarefa de recolher as milhares de pequenas partículas que vão chegando à areia.
Munidos de luvas de borracha, sacos de plástico, bidões e de qualquer coisa que possa servir de recipiente, centenas de voluntários, de grupos ecologistas e de defesa ambiental e proprietários de hotéis e restaurantes da zona mantinham-se também mobilizados para a recolha de vestígios e monitorização da praia.
“Não há palavras para definir o tamanho da tragédia que está a acontecer aqui. Infelizmente estamos sem apoio público, pouquíssimo apoio e muito desestruturado, e a sociedade civil é que está a fazer a diferença na praia”, disse Renato Oliveira, proprietário de pousadas em Porto de Galinhas e activista do Movimento Porto 2039. O empresário adiantou que não estão a registar-se cancelamentos de marcações de alojamento, mas manifestou preocupação com as implicações futuras deste desastre “na credibilidade das águas limpas de Porto de Galinhas”.
Para Renato Oliveira, o desconhecimento da origem da mancha de óleo é motivo para “continuar de orelhas em pé” porque “se não se sabe de onde vem, pode voltar a aparecer nos próximos dias”.
Poupada parece ter sido, por agora, a praia de Porto de Galinhas e as suas piscinas naturais, principal atrativo turístico de Pernambuco.
Na noite de domingo, o derrame de óleo tinha já chegado a novas praias na zona de Cabo de Santo Agostinho, afectando locais tradicionais de pesca e recolha de marisco que representam o sustento de algumas destas comunidades. As manchas de óleo chegaram também à praia do Paiva em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, e as autoridades admitem a possibilidade de atingirem as praias da capital do estado, Recife, apelando para a mobilização de voluntários para as operações de limpeza.
Através das redes sociais, os movimentos de voluntários pedem a intervenção das autoridades federais e apelam para o apoio da comunidade internacional.
O biólogo Bruno Rodrigues, voluntário nas operações de limpeza, explicou à agência Lusa que os danos da entrada do óleo das praias da região começam “pela microfauna, com a contaminação do plâncton que será comido pelos peixes, e vai até ao último nível da cadeia”.
“Só vamos conseguir dissolver todo esse prejuízo em 10 ou 20 anos”, disse, adiantando que foram já encontradas 20 tartarugas e outros mamíferos mortos por contaminação por óleo, bem como golfinhos, n outras praias da costa brasileira.
O biólogo alerta também para o “risco real” de contaminação das pessoas através da pele e de queimaduras químicas provocadas pelo material, lamentando a extinção em abril do Comité de Combate a Acidentes de Óleo.
“Já existe tecnologia e equipamentos que poderiam estar a resolver boa parte deste problema. A catação que estamos a fazer é manual, mas já existe maquinaria que faz isso em grande escala”, disse, denunciando a lentidão nas operações de limpeza.
“Houve outros acidentes em outras partes do mundo e já existe tecnologia para isso. Há ajuda internacional que podemos solicitar e grande parte o problema é a arrogância do Governo federal em não pedir ajuda a países que já têm tecnologia para poder dispensar o óleo e fazer a triagem. Isso reduziria muito os danos”, sublinhou.
O Governo de Pernambuco adiantou que não pretende, para já, decretar o estado de emergência.
No domingo, em conferência de imprensa, no Recife, o comandante das operações navais da Marinha, Leonardo Puntel, adiantou que desde 2 de Setembro foram recolhidas de todas as praias do Nordeste mais de 500 toneladas de petróleo misturado com areia. Segundo as autoridades ambientais de Pernambuco, 71 toneladas foram retiradas das praias do estado entre quinta-feira e domingo.