Governo britânico vai tentar aprovar o acordo do “Brexit” na segunda-feira
Apesar do pedido de adiamento, Johnson acredita ter apoios para validar o acordo no Parlamento e acelerar legislação para cumprir o divórcio a 31 de Outubro. Oposição deve apresentar emendas para modificar o acordo. Bercow revela no próprio dia se há condições para haver votação.
Depois da inesperada mudança de planos no sábado, que forçou o primeiro-ministro, Boris Johnson, a realizar uma ginástica epistolar para pedir e rejeitar, ao mesmo tempo, um adiamento do “Brexit”, o Governo britânico está determinado em fazer aprovar no Parlamento o seu acordo de saída da União Europeia já na segunda-feira e a rebater possíveis emendas da oposição ao documento, que podem incluir a sua validação através de referendo.
A realização da votação terá, no entanto, de ser autorizada pelo presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, que já levantou dúvidas sobre um eventual caso de abuso das convenções parlamentares, e que só revelará o seu veredicto na segunda-feira de manhã.
A situação em análise assemelha-se ao caso que envolveu a ex-primeira-ministra, em Março, quando esta tentava aprovar repetidamente o seu acordo no Parlamento. Na altura, o speaker alertou Theresa May que “a mesma proposta ou uma proposta substancialmente igual” não poderia ser apresentada duas vezes na mesma sessão legislativa. O mesmo vício processual poderá recair sobre os planos de Johnson, depois da reunião plenária de sábado.
De qualquer forma e não obstante o revés na sessão extraordinária – motivado pela aprovação de uma emenda que levou o primeiro-ministro conservador a suspender a votação do acordo e o obrigou a enviar uma carta a Bruxelas a pedir a extensão do prazo do divórcio para lá de 31 de Outubro – Downing Street está confiante de que vai conseguir os 320 votos necessários para passar o documento renegociado com os 27 na câmara baixa de Westminster.
E se triunfar, o seu plano é apresentar e votar toda a legislação anexa à proposta de lei para a saída do Reino Unido da UE até ao final da semana, para que seja possível que a lei do “Brexit” tenha luz verde dos deputados e entre em vigor no final do mês.
“Apesar das trapalhadas no Parlamento, parece-nos que agora temos os números para aprovar o acordo. Chegou a altura de o aprovarmos e seguirmos em frente”, afiançou este domingo, numa entrevista à BBC, o ministro do “Brexit”, Dominic Raab.
Sem maioria na Câmara dos Comuns, sem o apoio dos unionistas da Irlanda do Norte – seus aliados no Parlamento –, e com o grosso das forças da oposição a prometerem chumbar o acordo, a crença do Governo assenta, principalmente, na mudança de posição dos 21 deputados conservadores que foram expulsos do grupo parlamentar há cerca um mês por se oporem a um no-deal.
Um deles, Oliver Letwin, foi o promotor da emenda que estragou os planos de Downing Street no sábado. Mas uma vez aprovada, por 322 votos contra 306, com os apoios destes “rebeldes”, os obstáculos que colocavam ao acordo de Johnson podem desaparecer e o cálculo pode ficar facilitado.
A contar pelas declarações deste domingo da ex-ministra Amber Rudd, também ela dispensada do grupo parlamentar tory, o Governo bem pode estar optimista nesse aspecto. “[O primeiro-ministro] tem uma coligação frágil, mas sincera, de pessoas que apoiam o acordo”, disse Rudd à Sky News.
Votações renhidas
Independentemente da maior ou menor confiança do executivo, o mais certo é que o resultado da votação seja bastante renhido. A diferença entre a vitória e a derrota andará algures entre um e 20 de votos, em 639, se o acordo chegar à votação final tal como está. Mas como em tantas outras votações desconcertantes nos últimos anos na Câmara dos Comuns, a possibilidade de os deputados apresentarem emendas à moção geral, alterando-lhe o seu propósito inicial, pode baralhar, e muito, as estratégias e a distribuição dos votos –a sessão de sábado foi um exemplo clássico disso mesmo.
Embora vá apresentar uma emenda destinada a oferecer maior protecção aos direitos dos trabalhadores e a impedir o Governo de avançar para um no-deal depois do final do período de transição, em Dezembro de 2020, o Partido Trabalhista confirmou que vai apoiar qualquer proposta que obrigue Johnson a colocar o seu acordo a referendo, a par da permanência do Reino Unido na UE.
“Este acordo, ou qualquer outro acordo futuro, deve voltar às pessoas, para que possam dizer: ‘queremos sair [da UE] nestes termos ou queremos ficar [na UE]’”, afirmou o “ministro-sombra” do “Brexit”, Keir Starmer.
A par da votação do acordo e das suas emendas, segunda-feira pode ainda trazer novidades sobre uma acção judicial movida por activistas anti-“Brexit”, junto da mais alta instância judicial escocesa, relativa ao cumprimento ou incumprimento, por Boris Johnson, dos termos da Lei Benn – que o obrigou a pedir o adiamento do divórcio até Janeiro de 2020, não tendo um acordo de saída até às 23h de sábado.
Se é certo que o líder conservador o fez, o facto de não ter assinado a carta que formalizava o pedido junto de Bruxelas, e de lhe ter anexado outras duas missivas a dar conta de que não pretende negociar qualquer extensão do “Brexit”, pode levantar dúvidas sobre a sua actuação.
“[Johnson] pode ter obstruído o Parlamento e os tribunais, uma vez que tentou subverter claramente a primeira carta”, disse à Sky News o “ministro-sombra” das Finanças, John McDonnell. “Está a comportar-se como uma criança mimada. O Parlamento tomou uma decisão e Johnson deve respeitá-la”.